Biografia
por Renato L

1 - Eu vi o mundo...

Francisco de Assis França veio ao mundo em 13 de março de 1966, filho de Seu Francisco e Dona Rita. Ele, funcionário público. Ela, dona de casa. Uma semana depois, o menino caranguejo cruzava pela primeira vez as águas do Capibaribe nos braços da mãe...

2 - ... e ele começava no subúrbio

Menino alinhado, esse. Criado em Rio Doce, na Olinda dos anos 70. Ali estava a ciência, o esquema: brincadeira de rua, escola pública, bons amigos, picolé. Diversão ainda não levada a sério.

3 - Primeiros passos...

E o mundo se dividia entre as paixões adolescentes e aquele que seria para sempre James Brown. Os bailes de periferia com sua trilha sonora orquestrada por feras do funk dos anos 70 e, mais tarde, envenenados pela mistura de ritmo e poesia do Hip Hop.

4 - Legião Hip Hop

A primeira “nação" de Chico e Jorge data da metade da década de 80: um coletivo dedicado ao exercício das artes do graffite, do break e do rap, os três pilares básicos da cultura Hip Hop. A estrutura desse movimento, com sua ênfase no coletivo e na autonomia, e sua música, baseada no groove e nas colagens, teria fundamental importância no conceito e no som de Chico Science e Nação Zumbi.

5 - Chico "vulgo"

...e lá estavam Doktor Mabuse e Fred Zeroquatro gravando o programa Novas Tendências, na Rádio Transamérica, quando um certo "Chico Vulgo" apareceu para divulgar os bailes funks de Rio Doce e a banda Orla Orbe. Era 1986, o ano em que três dos futuros mentores do Mangue Beat se encontraram pela primeira vez.

6 - Primeiras bandas: Orla Orbe e Bom Tom Radio

Duas bandas marcaram a carreira musical do Chico pré-Mangue. A primeira foi o Orla Orbe: Hip Hop na veia! Na virada dos 80 para os 90, Chico H.D Mabuse e Du Peixe montaram o Bom Tom Radio. Com um equipamento pré-histórico, criaram protótipos de acid-house capazes de inspirar futuras composições da CSNZ.

7 - A hora da batida: Loustal é desenhado pelo Lamento Negro

Em 91, Gilmar Bola Oito, colega de trabalho na EMPREL, apresentava a Chico o Lamento Negro. Na época, Chico já agitava com Lúcio Maia e Alexandre Dengue o grupo Loustal - nome de um talentoso quadrinista argentino. A parada aqui era ska e psicodelismo dos anos 60. Da junção entre integrantes do Lamento Negro e do Loustal surgiram as batidas embrionárias do novo groove. Depois da primeira jam session, Chico apareceu no bar Cantinho das Graças e, entre uma cerveja e outra, anunciou para os amigos que ia chamar o novo som de “Mangue”.

8 – Um Oásis: a Black Planet

O nome da festa, sampleado de um disco do Public Enemy, “Fear of a Black Planet”, homenageava as batidas negras de todas as latitudes. O ano era 91 e pela primeira vez o termo “Mangue” aparecia na mídia, numa matéria do Jornal do Commercio. A noite prometia: além do show de Chico Science e Lamento Negro, estavam escalados como DJs Renato L e H.D Mabuse.

9 – A aurora no Capibaribe

Em 92, Chico Science, Zero Quatro e Mabuse dividiram um amplo apartamento na rua da Aurora. O prédio, chamado Capibaribe, possuía cômodos imensos, com uma sala de alguns “quilômetros” que terminava num amplo janelão. Dali era possível avistar o porto do Recife e quase todas as pontes sobre seus rios. No chão dessa sala imensa Chico recebia os amigos que vinham pra conversar, beber cerveja e escutar desde as atormentadas canções do trovador Nick Cave até as singelos vocais do jornalista Cadão Volpato na banda paulista Fellini.

10 – Um passo à frente: as manguetours

Em 93 – graças a uns trocados arrecadados com um show chamado “Da Lama ao Caos” - Chico e a Nação Zumbi rumaram com o Mundo Livre S/A para o sudeste, onde tinham shows agendados em São Paulo e Belo Horizonte. A primeira “manguetour”, produzida na raça, renderia bons frutos. Pouco depois, o CSNZ assinava com a Sony. Os horizontes se ampliavam. A primeira ida para a “gringa” foi em julho de 95, quando Chico e os malungos da Nação tocaram no SummerStage Festival, em Nova York, junto com Gilberto Gil. Na seqüência, veio uma turnê por paises como Alemanha, Dinamarca, Holanda e Suíça. Em Montreux, os ingleses do Specials - presença freqüente na vitrola da Aurora - abriram um show da CSNZ. Em dezembro do mesmo ano, eles retornaram para tocar em Rennes (França), no festival TransMusicale. Chico Science e Nação Zumbi ainda voltariam a excursionar no exterior durante o verão europeu de 96. Na Alemanha, dividiram várias datas com o Paralamas do Sucesso e Gilberto Gil.

11 – Tiro certeiro: os discos

No final de 93, a Nação Zumbi entrou no estúdio “Nas Nuvens”, no Rio, acompanhada por Liminha, para gravar “Da Lama ao Caos”. O disco chegou às lojas em 94 e rapidamente ganhou status de clássico da musica (pop)ular brasileira. Dois anos depois, viria o “Afrociberdelia”, que fundia três influências marcantes no background da banda: a sonoridade africana, o interesse pela cibernética e a psicodelia. A produção do disco foi assinada em conjunto por Eduardo Bid e a CSNZ. Misturas pouco prováveis de ensolaradas guitarras africanas, tambores, rock inglês, dub jamaicano e funk intergalático deram o tom ao disco. O som do CSNZ apareceu, ainda, como trilha sonora da estonteante seqüência inicial do filme “O Baile Perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas. Os acordes de “Angicos”, uma ode de vida e morte a Lampião e seus cangaceiros, sobrevoaram o cânion do rio São Francisco...

12 – Ó Josué nunca vi tamanha desgraça

Na noite de sábado, 1º de fevereiro de 1997, Chico fez uma das coisas que mais gostava: colocou som numa festa de amigos enquanto tomava umas cervejas. Com o case recheado de novidades que trouxera de uma viagem à Europa, fez um set pra lá de variado. Comentava com os chegados que tinha vontade de fazer um show em cima de um trio elétrico durante o Carnaval, “mas nada dessa história de axé, não, meu irmão!” .

Domingo, 2 de fevereiro: por volta das 19h, o Fiat que Chico dirigia se choca contra um poste no Complexo de Salgadinho, a caminho de Olinda. A notícia de sua morte provocou uma das maiores comoções populares da história recente do Recife. O coração da cidade ainda batia ritmado - mas um dos seus mais preciosos tambores estava em silêncio...