Chico Science

Mais de uma década sem o cientista dos ritmos. A passagem do tempo aumenta a saudade. Não é todo dia que se encontra um amigo desses: bem-humorado, positivo, generoso. E o que dizer do artista? Uma jóia rara. Capaz de buscar inspiração nas quebradas mais diversas. Tipo os quadrinhos. Francisco França pegou de Corto Maltese, o personagem de Hugo Pratt, as costeletas e certo tom romântico-aventureiro. Do desenhista argentino Loustal sampleou o nome para seu melhor projeto paralelo. Os livros também foram bons companheiros: a Geografia da Fome, de Josué de Castro, dividiu sem ciúmes a cabeceira da cama com os clássicos da ficção-científica.

Francisco França foi um filho legítimo da modernidade. Na concepção do Mangue, entrou com o corpo e o cérebro. Não foi um “intuitivo”, capaz apenas de “sacadas”. Pelo contrário: esse maracatu pesou uma tonelada por conta da complexa operação estética envolvida na sua formatação. A síntese Zumbi/Zulu – encontro de várias nações – trouxe Palmares, a África e o Bronx de Afrika Bambaataa para o mesmo espaço imaginário. Ainda permanece uma articulação de mestre.

Sua busca pelo beat perfeito quebrou a tradicional oposição entre o regional e o cosmopolita tão presente na cultura brasileira. Os tambores do Maracatu soavam tão interessantes quanto os ritmos robóticos do Kraftwerk ou as batidas quebradas do Public Enemy. A mesma síntese vamos encontrar na métrica original das letras, casamento sem brigas entre o repente e o rap. Como se Jackson do Pandeiro e Chuck D fossem uma pessoa só.

Em Chico sempre encontramos as mágicas do alquimista (pós) moderno. A começar do codinome artístico, com seu diminutivo tão brasileiro colado ao inglês. Ou na performance, também: a traquinagem do Velho Facete, as caras e bocas do expressionismo alemão, a ginga do caboclo de lança e a dança de rua do Hip Hop. Essa fricção entre elementos às vezes distante no tempo e no espaço se materializou em apenas dois discos de estúdio. Muito pouco para um talento tão grande. Mas o suficiente para construir um mito de permanente fascínio.

Contextualizar o mito e buscar suas conexões com o presente e o futuro são algumas das tarefas imprescindíveis que o Memorial Chico Science, gestado no segundo mandato do ex-prefeito João Paulo e, agora, entregue ao povo do Recife pelo prefeito João da Costa, passa a abrigar a partir deste abril de 2009

Renato L