Glossário

Mangue de A a Z

Um glossário com quarenta itens para você descobrir tudo sobre a história do movimento.

Aviso aos navegantes: este Glossário, como nossa Bibliografia, também funciona como algo em perpétua construção. Novos tópicos podem ser acrescentados a qualquer momento, caso apareçam novidades importantes ou a memória recupere pedaços do tempo perdido.Trata-se, apenas, de uma primeira versão, concentrada em temas e nomes básicos do Mangue Beat, em especial do seu núcleo fundador.

Abril Pro Rock – é o mais importante festival alternativo de música do Brasil. Sua primeira edição aconteceu em 93 e coincidiu com os primeiros passos do Mangue rumo ao sucesso no sul do país e a sua expansão junto a um público mais numeroso na terra natal. O Abril Pro Rock foi fundamental nessas duas tarefas, mesmo que, inicialmente, não fosse uma prioridade de seus organizadores incrementar o movimento: se não torciam contra, não levavam grandes esperanças naquelas duas bandas esquisitas pelos padrões vigentes. A prova maior é que nem o Mundo Livre nem a Nação Zumbi tiveram qualquer destaque na grade daquela primeira edição. Nos anos seguintes, no entanto, o quadro mudou e os carros-chefes do Mangue Beat fizeram apresentações memoráveis em diversas noites do festival. Não é à toa que a CSNZ registrou sua participação na edição de 96, mais tarde lançada no terceiro disco da banda.

Afrociberdelia – O título do segundo disco da CSNZ, lançado em 96 pelo selo Chaos, da Sony Music, funde três influências marcantes no som e nas idéias da banda: a presença da África, diretamente, através da música de Fela Kuti e Manu Dibango e dos toques de candomblé, ou indiretamente, via a predominância do ritmo sobre a melodia; o interesse pela cibernética, como ferramenta de composição e de comunicação; e o flerte com o psicodelismo, através do contato com o rock inglês dos anos sessenta, o dub jamaicano e o funk intergaláctico americano da primeira metade da década de setenta. A fusão desses três elementos define Afrociberdelia, um cd onde Chico e seus malungos mostram-se melhor adaptados às artimanhas dos estúdios, inclusive com uma performance vocal de Science bem superior à de sua estréia. A lamentar, apenas, a inclusão de três remixes para Maracatu Atômico sem a devida autorização da banda, uma tentativa canhestra da gravadora de “popularizar” o material. (ver seções “Discografia Oficial” e “Bibliografia”, item “artigos”).

Banguela – Gravadora independente montada pelos Titãs no início dos anos noventa. Lançaram dezenas de nomes na época desconhecidos no mercado. Maior sucesso artístico: Mundo Livre S/A. Maior sucesso comercial: Raimundos.

Black Planet – A primeira vez que a palavra mágica apareceu na mídia foi numa matéria publicada no Jornal do Commercio. Corria o ano de 91 e na festa Black Planet um tal de Chico Science pretendia lançar um novo ritmo chamado “Mangue”. A noitada rolou no Espaço Oásis, em Olinda, e os vinte ou trinta gatos pingados que a prestigiaram nunca esqueceram o que viram e ouviram, saudando Chico com as honras devidas ao seu enorme e já evidente talento. Para os mais curiosos, não custa notar que Black Planet, além de proclamar a paixão de Science pelas batidas da música negra de todas as latitudes, era uma homenagem ao grupo de rap americano Public Enemy, autor de um LP clássico do gênero chamado “Fear of a Black Planet”.

Bom Tom Radio – Doktor Mabuse e Chico (com eventuais participações de du Peixe) juntaram forças no final dos anos oitenta e, trancados num quarto minúsculo com um equipamento pré-histórico, criaram protótipos de acid-house capazes de inspirar futuras composições da Nação. Bom Tom Radio era o nome do projeto.

Caranguejos com Cérebro – Era o título daquela que deveria ter sido a primeira coletânea do Mangue Beat. Participariam CSNZ, Mundo Livre, Loustal e Vinícius Enter (ver verbetes). As gravações chegaram a acontecer num estúdio do Recife, entre 92 e 93, mas o projeto foi abortado devido aos contratos assinados com gravadoras do sul do país logo após a primeira Mangue Tour. Quem teve oportunidade de escutar uma fita com esses registros, notou a presença de vários clássicos futuros das duas bandas (Manguetown, A Cidade, O Rapaz do Bonezinho Preto, Mangue Bit...), executados com arranjos diferentes e, em alguns casos, superiores aos dos lançamentos oficiais.

Carnaval na Obra – terceiro disco na carreira do Mundo Livre, marcando sua estréia na Abril Music. Zero Quatro e seus comandados continuam a nos brindar com sambas desconstruídos, baladas, ritmos latinos, drum and bass e outras milhares de referências, tudo mixado num coquetel orgânico e excitante. As novidades ficam pelo reforço nos metais e por algumas letras mais explicitamente políticas, produtos das leituras que Zero Quatro começava a fazer das obras do escritor e lingüista americano Noam Chomsky. Destaque especial para a faixa “O Ariano e o Africano”, a mais certeira crítica já feita às idéias reacionárias de Ariano Suassuna. Ano de lançamento: 98. (ver seção “Discografia Oficial”).

Chaos – Selo criado pela Sony Music no início dos anos noventa para agrupar os artistas mais experimentais do seu cast brasileiro. Foi por ele que Chico Science e Nação Zumbi lançou seus dois primeiros discos.

Chico Science – Francisco de Assis França nasceu no ano da graça de 1966, nativo do signo de Peixes. Filho de um funcionário público aposentado e de uma dona da casa, cresceu nas quebradas de Rio Doce, subúrbio de Olinda em rápido crescimento a partir da década de setenta. As benesses do milagre econômico da ditadura militar permitiram que a vida fosse simples, mas sem maiores privações. Chico estudou em escola pública, como seus dois irmãos e a irmã Goreti e, após concluir o secundário, passou a trabalhar numa empresa do Estado mais tarde privatizada na onda neo-liberal. Seu envolvimento com o mundo da música data da adolescência, quando descobriu as batidas do Funk americano. Apaixonado por James Brown e cia., ele desde então nunca deixou de “procurar o beat perfeito”, como diz uma música-chave de outro de seus amores, a cultura Hip Hop. Essa busca, sempre inconclusa, sempre passível de aperfeiçoamento, o levou anos depois a se aproximar do maracatu e do coco e, com esses ritmos regionais, elaborar uma alquimia sonora de impacto universal. Antes, no entanto, de se transformar no cientista das batidas certeiras, Chico passou por um longo aprendizado nas ruas, calçadas e bares do Grande Recife. Como membro da Legião Hip Hop (ver verbete) se exercitou nas artes da grafitagem, da dança e do rapeado, modelando o corpo e a fala para os futuros projetos. A primeira banda, o Orla Orbe, ainda era calcada nos modelos americanos, com influências marcantes de artistas como LL Cool Jay e Run DMC. Foi só na virada da década de oitenta que o caldeirão de influências capazes de gerar o som da Nação Zumbi começou a borbulhar. Integrante de uma rede social variada e estimulante, rede que se transformou no núcleo-base do Mangue Beat, Chico compartilhou um processo riquíssimo de troca de informações e experiências e refinou suas ambições sonoras. Tão insatisfeito como seus companheiros com o estado de coisas da música brasileira, ele observou com olhos e ouvidos atentos a expansão das tecnologias de gravação e produção que facilitavam experimentos já presentes no Hip Hop, técnicas de colagem acessíveis via o barateamento dos equipamentos eletrônicos. A partir daquela época, ficou fácil para um compositor inglês samplear uma cantora árabe e uma batida de samba e criar algo novo e excitante. A busca do beat perfeito ganhou possibilidades inimagináveis dez anos antes. E Pernambuco, com seus incontáveis ritmos, surgiu como uma mina inexplorada à espera de seu desbravador. Assim nasceu Chico Science, o alquimista mestre na ciência da manipulação dos grooves. O apelido, dado de brincadeira por Renato L, inspirado na maneira como um tio era chamado por conta da paixão por ficção-científica e teorias sobre extra-terrestres, foi remixado para se adaptar a nova persona. Quem escutava o que Francisco França andava preparando, não tinha dúvidas do acerto na escolha do nome. Um mix orgânico de rap, maracatu, rock dos anos sessenta, samba, afro-beat, reggae e outros ingredientes ecoava com um impacto capaz de fascinar tribos de todas as procedências e gostos. E as letras cantadas sob essa massa indistinta eram construídas numa métrica onde o rap e o repente pareciam ter nascido um para o outro. Hábil com as palavras, Chico ainda teve o insight de buscar no MANGUE o símbolo perfeito para sua alquimia. Foi como ponta-de-lança do movimento que ele desembarcou no resto do Brasil, causando sensação por onde passou. Cortejado pelas gravadoras e pela mídia, apesar de muitas vezes não-compreendido no seu talento acima da média, ele liderou sua banda na confecção de dois discos básicos na evolução do pop contemporâneo. Até que o acaso trouxe um acidente de carro e o tirou precocemente dessa vida. Três de fevereiro de 97, sete horas da noite, um poste no Complexo Salgadinho, perto de Olinda: quantas batidas, quantas letras, quantas performances geniais essa data fatídica impediu que enriquecessem a história da música? Alçado a condição de mito, presente em camisetas, barracas, adesivos e outras quinquilharias, Chico, em suas inúmeras versões impressas, é a prova ambulante dos paradoxos dessa vida. Ele, tão frágil e ao mesmo tempo tão resistente, imune ao desgaste do tempo por sua graça e a de suas criações.

Cool Crabs – Discotecar é uma paixão comum a quase todos os integrantes do núcleo-base do Mangue Beat. E não é difícil saber por que: o tipo de música de que gostavam era virtualmente inexistente nas raras festas que se organizavam no Recife dos anos oitenta. E ainda havia a influência da cultura Hip Hop e da emergente cena rave inglesa. O resultado é que todo mundo pelo menos uma vez já colocou som numa festa e alguns, como o Dj Dolores e Renato L, transformaram a atividade em meio de vida. Cool Crabs é um time de DJs de formação variada, envolvendo integrantes do movimento. A formação mais constante envolve du Peixe, Lúcio Maia e Renato L.

CSNZ – Abreviação de Chico Science e Nação Zumbi e título do terceiro cd da discografia da banda. Lançado em 98, mais de um ano depois do acidente que vitimou Chico, esse disco duplo é uma homenagem à sua memória. O cd intitulado “Dia” traz as quatro primeiras gravações da Nação depois da tragédia, uma seqüência de faixas gravadas ao vivo na edição de 96 do festival Abril Pro Rock e uma versão, também ao vivo, do Planet Hemp para “Samba Makossa”. O outro cd, intitulado “Noite”, reúne remixes de grandes nomes do pop nacional e internacional para faixas clássicas dos discos anteriores, além de uma música composta pelo astro inglês do drum and bass, Goldie, em reverência a Chico. Vale lembrar que esse projeto de remixes foi pioneiro no Brasil, no sentido de considerar essa arte como uma forma de reconstruir/desconstruir as composições originais, uma visão mais autoral destoante da predominante no nosso mercado, preocupado, na época, apenas em adaptar os originais ao formato radiofônico padrão. (ver seção “Discografia Oficial”).

Da Lama ao Caos – Uma estréia cercada por desafios, essa de Chico Science e Nação Zumbi. Primeiro, havia a obrigação de satisfazer a sede de lucros da gravadora, acostumada a relacionar tambores com vendagens astronômicas. Depois, era preciso driblar as dificuldades de registrar em estúdio a força da percussão do grupo, sua principal qualidade ao vivo. Dificuldade agravada pela inexperiência de todos com as minúcias das técnicas de gravação. Lançado o cd e feito o balanço dos prós e dos contras, o resultado mostrou-se mais do que satisfatório. Se o CSNZ não vendeu milhões, conseguiu assegurar a gravação de um segundo trabalho, graças, principalmente, ao interesse despertado no mercado internacional. E se Liminha não conseguiu dar o peso que todo mundo queria aos tambores, ainda assim o frescor e a excelência do material gravado foram suficientes para satisfazer amplamente as expectativas criadas. Não é à toa que, hoje, o repertório do Da Lama ao Caos é o que desperta mais entusiasmo nos shows da Nação Zumbi. Tal como o “Samba Esquema Noise”, trata-se de um clássico de nascença. (ver seção “Discografia Oficial”).

Dj Dolores – Não, Dolores não é uma mulher. Trata-se do codinome de Helder Aragão, um sergipano que veio tentar a vida em Pernambuco por volta de 1985 e nunca mais voltou à terra natal. Punk como Zero Quatro e Renato L, ele logo se enturmou na nova cidade, dividindo os infortúnios de viver num lugar mergulhado no marasmo como o Recife dos anos oitenta. Por isso, quando o Mangue surgiu, lá estava ele como militante de primeira hora, seja na elaboração de cartazes e panfletos de festas, na roteirização e filmagem dos primeiros clipes ou, ainda, na concepção da capa do primeiro disco de Chico Science e Nação Zumbi, já com a alcunha misteriosa de “Dolores”. O DJ seria acrescentado ao apelido anos depois, quando nosso herói enveredou por uma bem-sucedida carreira de produtor musical.

Dengue – Baixista discreto e elegante, Alexandre Dengue foi parceiro de Chico Science e Lúcio Maia desde os primeiros tempos. Como Lúcio, parece capaz de trafegar do funk mais groovado ao hardcore radical. Depois do acidente com Chico, cuidou durante muito tempo dos negócios e da burocracia que cercam o dia-a-dia de qualquer banda. Suado, pasta embaixo do braço, foi quem colocou a casa em ordem quando a banda optou por ficar sem empresário. Mas nos shows, ontem como hoje, sempre se manteve inusitadamente elegante. Se a Nação fosse um grupo mod, Dengue seria o nosso Paul Weller...

Fred Zero Quatro – Primeiro, vamos ao ano de seu nascimento: 1962, alguns meses antes do golpe militar que jogou o país nas trevas durante mais de duas décadas. Seu nome de batismo é Fred Montenegro, natural de Jaboatão dos Guararapes, cidade vizinha ao Recife. Prenúncio ou não da futura militância de esquerda, o fato é que o médico responsável por seu parto foi o primeiro prefeito comunista do Brasil, ali mesmo naquela Jaboatão conhecida em outros tempos como “moscouzinho”. Aplicado aluno do colégio militar, Fred desde a adolescência foi apaixonado por música. Aprendeu a tocar violão sozinho, reproduzindo os discos dos irmãos mais velhos, antigos sucessos de Jorge Ben e Suzy Quatro. Depois se apaixonou por Rolling Stones e Led Zeppelin, tocados na praia para uma platéia formada só por amigos. Até que veio a revolução punk e tudo mudou: já estudante de jornalismo, ele adquiriu seu primeiro codinome e na pele de “Rato” deu início à carreira musical. A primeira banda foi o Trapaça. Depois veio o Serviço Sujo. Depois, lá por volta de 1984, o Mundo Livre S/A. Na persona do “Rato”, ele atravessou a década de oitenta inteira, sofrendo numa Recife que parecia a inimiga número um da criatividade. Nada era fácil para o Mundo Livre: shows, compra de instrumentos, acesso à imprensa, público, tudo surgia cercado de dificuldades, um vudu eterno acompanhando a banda. Depois de uma temporada frustrada em São Paulo, nosso herói voltou ao Recife e foi trabalhar como repórter de tv, uma atividade cuja repugnância ele compensava com porres memoráveis. Só no início dos anos noventa, quando o núcleo-base do Mangue Beat se formou, as coisas começaram a mudar. O jornalismo foi deixado de lado e a guitarra voltou a ser o principal instrumento de trabalho. Junto com Chico e alguns amigos, ele viu o que era uma inocente brincadeira de mesa de bar transformar-se numa quase revolução cultural, algo que mudou a cara de uma cidade e repercutiu em todo o mundo. Com um novo codinome (zero quatro, os dois últimos números do seu documento de identidade), ele escreveu dois manifestos, lançou quatro discos aclamados pela crítica, casou e virou pai e, acima de tudo, fez história. Que os deuses protejam o subcomandante Zero Quatro e sua inesgotável criatividade!

Gilmar Bola Oito - Também funcionário público como Chico, também fascinado por tambores e percussões, Gilmar está presente na história do Mangue desde seus primórdios. Foi ele quem apresentou Science aos integrantes do Lamento Negro, um grupo de samba-reggae que, ao interagir em jam sessions com nosso herói, permitiu ao cientista dos ritmos fabricar seus primeiros maracatus atômicos. Só por isso, Bola Oito já tem seu lugar assegurado no panteão do movimento. Mas sua folha de serviços vai muito além: grande percussionista, ele é presença marcante na cozinha da Nação com seu toque vigoroso. E, nos shows e nos discos, sua persona rapper sempre acrescenta um molho especial aos encantos distribuídos por seus companheiros malungos. Sem falar do seu set de DJ: leve e tranqüilo, ele desfia funks e reggaes certeiros, fazendo dançar o corpo e a alma dos que habitam a pista.

Guentando a Ôia – Segundo disco da carreira do Mundo Livre, lançado em 96. Boa parte de suas composições é formada por material antigo da banda, coisas pré-históricas vindas da década de oitenta. O tempo, no entanto, não desgastou músicas como “Leonor” e “Pastilhas Coloridas” e graças à força das letras e dos arranjos é que são compensadas as deficiências da produção tosca de Carlos Eduardo Miranda. O título do disco é uma gíria para “levar a vida”, “driblar as dificuldades”. (ver seção “Discografia Oficial”).

Herr Doktor Mabuse – Codinome de José Carlos Arcoverde, web designer pernambucano nascido em 72. Doktor Mabuse, personagem clássico do cinema expressionista alemão dos anos vinte, transformou-se na manguetown numa espécie de “ministro da tecnologia” do movimento. Mas a importância de Mabas, como os amigos o chamam, vai além dos computadores: foi ele quem apresentou a turma de Rio Doce (Du Peixe, Chico, Lúcio Maia...) aos moradores de Candeias (Fred e Renato), encontro que gerou o núcleo-base do Mangue. Como designer, Mabuse elaborou a capa do Afrociberdelia e idealizou o site Mangue Bit e o programa de rádio Manguetronic, além de ser responsável por inúmeros flyers e cartazes de festa, entre outros trabalhos ligados ao movimento. Como baixista formado na escola Jah Wobble de “tocar bem tocando sem técnica alguma”, montou em 87 com o amigo Francisco França o Bom Tom Radio (ver verbete), embrião de várias experiências sonoras desenvolvidas pelo CSNZ. É co-autor da faixa “O Encontro de Isaac Asimov com Santos Dumont no Céu”, do disco Afrociberdelia. Endereço para contato: mabuse@manguebit.org.br .

Ilha Grande – Trata-se do apelido que Zero Quatro deu a Candeias, bairro praieiro de Jaboatão, cidade vizinha ao Recife. Foi aí onde Zero viveu toda a adolescência e boa parte da vida adulta, tendo a chance de observar a transformação de um calmo balneário numa espécie de prisão dourada, onde o capital imobiliário reinou sem qualquer consideração. Hoje, o bairro divide-se numa faixa à beira-mar opulenta tendo na retaguarda um cinturão cada vez maior de favelas. Ainda assim, Candeias permanece um lugar mítico nas suas letras, onde quem entra não consegue sair, ou por falta de dinheiro ou encantado por sua vibe especial. Daí o ilha grande, referência à lendária prisão carioca.

Jorge du Peixe – O grande companheiro de aventuras de Chico Science, de quem era amigo desde a adolescência, entrou nos anos noventa dando um duro danado no seu emprego na VASP. Fã de funk e de rap como o futuro parceiro de banda, ex-membro da Legião Hip Hop, ele, no entanto, tinha menos tempo para se dedicar à música, preso aos horários do trabalho e aos afazeres de pai e marido. O negócio era aproveitar ao máximo os minutos escassos e procurar se manter informado sobre o que andava acontecendo naquele período de gestação do Mangue. Seu jeito calmo, introvertido, era o contraponto ideal ao ar agitado e sonhador de Science, ajudando o parceiro a não tirar os pés do chão. E foi só a Nação Zumbi ameaçar decolar rumo a uma carreira profissional que o convite para se juntar à banda surgiu de imediato, convite aceito sem grandes hesitações. Quando a primeira Mangue Tour partiu em direção a São Paulo, Du Peixe já ocupava um lugar de destaque na percussão e tinha algumas de suas composições no repertório das apresentações. Em 94, depois da assinatura do contrato com a Sony, as coisas passaram a rolar num ritmo alucinante. De repente, os shows multiplicaram-se, as aparições nas tvs e revistas passaram a ser comuns, viagens ao exterior deixaram de ser um sonho longínquo e até um pouco de grana começou a rolar. O trampo tinha o seu lado duro, as suas aporrinhações, mas mil vezes viver de música do que no hangar de um aeroporto. Sem falar que ainda sobrava espaço para ele desenvolver outra de suas paixões: o designer gráfico, usado para elaborar cartazes, capas e outros acessórios. Foi o acidente com Chico que mudou tudo. A morte trágica e inesperada do melhor amigo tirou Du Peixe do ar durante meses seguidos. Muito lentamente, ele e seus companheiros de banda juntaram as forças necessárias para tocar o barco. Forçado pela fatalidade a assumir uma postura menos discreta, ele teve que transformar sua natureza para se adequar ao novo papel de frontman. Não deve ter sido fácil, mas hoje Du Peixe dá conta do recado de maneira honrosa, soltando a voz e o corpo pelos palcos desse mundo. Junto com Zero Quatro, ele é a figura mais respeitada do Mangue Beat, impondo moral com sua voz grave e seu jeito sério. Nada mal para um moleque que cresceu em Rio Doce levando carão da mãe por só pensar em cuidar de uma legião de peixes ornamentais.

Legião Hip Hop – A primeira “nação” de Chico e Jorge, surgida na metade da década de oitenta: um coletivo dedicado ao exercício das artes do graffite, do break e do rap, os três pilares básicos da cultura Hip Hop. Como muitos moleques de sua geração, nossos dois heróis se apaixonaram pela cena surgida em Nova Iorque no final dos setenta e consumiram avidamente discos e filmes relacionados ao tema. A ética do Hip Hop, com sua ênfase no coletivo e na autonomia, e sua música, baseada no groove e nas colagens, teria fundamental importância no conceito e no som de Chico Science e Nação Zumbi.

Loustal – No final dos anos oitenta, o mercado brasileiro de histórias em quadrinhos viveu tempos de agitação, pelo menos para seus padrões normalmente modorrentos. Grandes e pequenas editoras voltaram a publicar, permitindo ao público descobrir a produção de autores como Alan Moore e Frank Miller, fundamentais na história recente dessa forma de arte. A excitação gerada por quadrinhos como Watchmen e Batman, O Cavaleiro das Trevas afetou, também, os mangue boys e gerou uma febre de leitura que, para alguns deles, funcionou como uma descoberta dos prazeres das “bandas desenhadas”. Foi de um desenhista e roteirista argentino que Chico Science buscou o nome para seu projeto paralelo ao Lamento Negro/Nação Zumbi. Em conjunto com Lúcio Maia e Dengue, ele idealizou um grupo mais compacto, só guitarra, baixo e bateria, dedicado, numa primeira fase, ao ska estilo Two Tone e, mais tarde, flertando com o psicodelismo dos anos sessenta. A trajetória da banda durou até a CSNZ decolar de vez, forçando os rapazes a deixarem o Loustal de molho, legando como único registro as faixas gravadas para aquela que seria a primeira coletânea Mangue, a “Caranguejos com Cérebro” (ver verbete). Nesse disco nunca lançado, o Loustal tocava Manguetown e Etnia, músicas do seu repertório mais tarde aproveitadas com novos arranjos no Afrociberdelia.

Lúcio Maia – Quem assiste aos vídeos caseiros com apresentações do Loustal no início dos anos noventa, fica impressionado com o talento de um quase menino que toca guitarra acompanhando Chico Science. Um moleque na época da explosão do Mangue, Lúcio já era capaz de um feito raro entre os guitarristas brasileiros: tocar ao mesmo tempo pesado e com suingue, alternar grooves certeiros e minimalistas com melodias grudentas, criar ambiências e solar como um Jimi Hendrix. Dos tempos heróicos para cá, ele só fez desenvolver essas qualidades. Seu estilo único o tornou um dos mais respeitados instrumentistas brasileiros, reconhecido mesmo no exterior, o que motivou convites para gravações e uma participação decisiva no primeiro disco do Soulfly, a banda que Max Cavallera formou depois da saída do Sepultura. Carismático no palco, ele ganhou ainda mais importância depois da morte de Chico, ajudando a preencher os espaços abertos com a ausência do grande frontman. Hoje, milhares de adolescente o copiam e têm como ídolo. Se a manguetown gerou um “guitar-hero”, seu nome é Lúcio Maia!

Mangue – Em rápidas palavras: foi um movimento que surgiu no Recife nos primeiros anos da década de noventa. Trabalhando em cooperativa, duas bandas desconhecidas, Chico Science e Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, juntaram-se a alguns jornalistas, designers e desempregados, para tentar criar uma cena artística capaz de quebrar o marasmo que dominava a vida local. O termo é inspirado nos manguezais, a vegetação que dominava boa parte da área sob a qual foi construído o Recife. A idéia era gerar uma cena tão rica e diversificada quanto esse ecossistema, de modo a abranger toda a complexidade embutida potencialmente na vida de uma cidade grande. A empreitada foi um sucesso: em poucos anos, centenas de bandas estavam atuando em bares, casas noturnas e garagens, e a agitação havia se espalhado para o cinema, as artes plásticas e a moda. Recife, desde então, passou a ser conhecida como a “Manguetown”.

Mangue Beat – Outra denominação para o movimento, serviu também como nome do primeiro programa de rádio a abrir espaço para as bandas locais. Durante quatro anos, de 95 a 98, o Mangue Beat (Ceatés FM, de oito as nove da noite) trouxe diariamente o melhor da cena pernambucana e os sons mais interessantes do resto do planeta.

Mangue Bit – Denominação alternativa do movimento, surgida a partir da música homônima que abre o primeiro disco do Mundo Livre. Serviu, também, de nome para o primeiro site dedicado ao tema, este que tem a honra de tê-lo como leitor. (ver seção “Editorial”).

Mangue Tour – A primeira e única excursão conjunta envolvendo CSNZ e Mundo Livre aconteceu no mês de junho do ano da graça de 1993. Com os parcos recursos apurados em um show chamado “Da Lama ao Caos”, realizado em maio daquele ano, as duas bandas se aventuraram até o sul para uma mini-temporada de três shows. O Aeroanta, em São Paulo, foi a parada inicial. Alguns dias depois, seguiram-se as noitadas de Belo Horizonte, realizadas numa casa chamada Drozóphila. Até hoje essa Mangue Tour está envolta em lendas. Os integrantes das duas bandas viajaram de ônibus, precedidos do “ministro da informação”, Renato L, e do produtor Fernando Jujuba, que se juntou à aventura quase nas vésperas da partida. A maior parte dos músicos ficou instalada num albergue no Pico do Jaraguá, alguns bons quilômetros distante do centro de São Paulo. Um número menor se hospedou no apartamento do jornalista mezzo pernambucano, mezzo cearense Xico Sá. O dinheiro juntado para a viagem acabou já na chegada à Paulicéia. Foram dias e mais dias contanto os trocados e economizando as refeições. Apesar das dificuldades, a excursão foi um sucesso imenso. Em São Paulo, todo mundo que contava na indústria fonográfica e nos círculos do jornalismo musical compareceu ao show. A Ilustrada deu capa. Os homens das gravadoras acenaram com promessas. Na volta para casa, realizada também de ônibus quase quinze dias depois, os rapazes, embora mais magros, traziam na bagagem um namoro firme com a Sony Music e a Banguela Records, namoro que gerou seus discos de estréia.

Manguetronic – Primeiro programa de rádio pensado especialmente para a internet em toda a América Latina. Uma maneira eficiente e barata de expandir o som da nova cena do Recife para todo o planeta e, paralelamente, difundir as informações consideradas relevantes por dois dos mais importantes integrantes do núcleo-base do movimento, Doktor Mabuse e Renato L. Endereço na rede: www.manguetronic.com.br . Ano de nascimento: 1996.

Mundo Livre S/A – Mundo Livre era uma expressão comum no mundo que existia antes da queda do muro de Berlim. Ela designava os países “democratas”, ou seja, alinhados aos Estados Unidos, em oposição aos países da “cortina de ferro”, submetidos à influência da então União Soviética. Durante muitos anos, sua presença na mídia era diária e maciça, pronunciada em tom solene por presidentes e diplomatas. Com o tempo, no entanto, as contradições entre o conceito e a realidade transformaram a expressão em, literalmente, motivo de piada, sendo comum seu uso em séries de televisão como “Agente 86”, onde o personagem principal volta e meia servia-se dela para ridicularizar o discurso da guerra fria. Só quando Ronald Reagan assumiu a presidência dos EUA no final da década de setenta, um marco no retorno ao poder da direita radical, é que “mundo livre” voltou ao vocabulário da política das grandes potências. Reagan, um personagem grotesco da história, era uma das obsessões de Zero Quatro na época em que resolveu adotar um novo nome para sua banda. Disposto a sofisticar sua militância punk do início dos anos oitenta, ele encontrou na expressão a dose de cinismo necessária aos novos tempos. O S/A complementou o conceito, realçando o caráter mercantilista que cerca a música pop. Foi assim que em 84 surgiu o Mundo Livre S/A, a banda que, junto com Chico Science e Nação Zumbi, articularia o movimento Mangue. Sempre original, usando cavaquinho e guitarras distorcidas, mixando letras apocalípticas e doses de romantismo, falando de carros, pastilhas coloridas e musas de nome Leonor, o Mundo Livre gravou seus quatro discos (Samba Esquema Noise, Guentando a Ôia, Carnaval na Obra e Por Pouco. Ver verbetes) e, quase vinte anos depois, continua a fazer história.

Nação Zumbi – Uma das últimas faixas do Rádio S.amb.a nos oferece as pistas necessárias para descobrir de onde vem esse nome lendário. Zumbi versus Zulu, o duelo entre Gilmar Bola Oito e Afrika Bambaataa, é apenas uma outra versão para o insight que levou Chico a criar a partir do Lamento Negro a sua Nação Zumbi, ainda nos primórdios do Mangue. Em apenas duas palavras estava condensado o experimento que tinha em mente e já começava a executar. Nação de maracatu, mas também de “Zulu Nation”, o misto de banda e comunidade da qual Bambaataa, nome fundamental na história do Hip Hop, fazia parte. Zumbi, o grande herói negro, em conexão direta com seus irmãos zulus sul-africanos. Uma e muitas nações numa só. “Nação Zumbi” - Antes de falarmos desse último disco da Nação, vale a pena elogiar os esforços de Jorge Du Peixe e Valentina Trajano na feitura da capa e do encarte, talvez o ponto alto na trajetória dessa dupla que há tempos assina com competência o designer de projetos, sites e cds de artistas locais. Feita em papel reciclado e usando a arte do Grafite como inspiração, seu resultado final é um ótimo exemplo de como superar as pequenas dimensões desse formato e combinar beleza e funcionalidade. “Nação Zumbi” foi mixado por Scott Hard, um produtor americano conectado com os nomes mais instigantes da cena de Hip Hop nova-iorquina. É dele o toque mágico que complementa a produção da própria banda - associada a Arto Lindsey e ao Instituto - para extrair uma dinâmica nova capaz de alterar o som costumeiro dos seus discos e apresentações ao vivo: agora os tambores muitas vezes saem do primeiro plano e revezam-se com a bateria, com outros elementos de percussão ou simplesmente desaparecem de vez. Mais desenvolto nos vocais, Du Peixe mostra a competência de sempre nas letras, com achados poéticos de qualidade e incursões por temas variados. A passagem dos anos é o tema explícito de algumas faixas, dando um tom melancólico a boa parte do disco. Tempo, aliás, é um artigo necessário para o ouvinte degustar o cd, um daqueles casos em que a quantidade de audições não desgasta o prazer, pelo contrário, só faz aumentá-lo com a descoberta de novas nuances na paisagem sonora. Só assim, sem pressa, podemos saborear devidamente Nação Zumbi e constatar, satisfeitos, que esse maracatu ainda pesa uma tonelada (olhaí o Public Enemy...), agora em extrato “biônico, eletro-soulsônico/...carregando as batidas/no azougue pesado/...tropa de todos os baques...”. Orla Orbe – Primeiro grupo de Chico Science, formado na segunda metade dos anos oitenta, sob a influência decisiva do rap americano. Seu show mais importante foi na Misty, uma boate gay da noite recifense que hospedou uma espécie de festival Hip Hop organizado por Chico. Mabuse, Renato L e Zero Quatro estavam lá, mas acharam apenas simpático aquele garoto que imitava L L Cool Jay com seus agasalhos Adidas. Ninguém farejou o que viria depois.

Por Pouco – Quarto cd na discografia do Mundo Livre, Por Pouco é um disco paradoxal: talvez o mais pop da carreira da banda e o mais conservador em termos de produção, mas, ao mesmo tempo, aquele em que o ouvinte tem melhores condições de apreender o discurso político engajado de Zero Quatro. Sua voz, dessa vez mixada alguns graus acima da trama instrumental, narra com clareza as contradições e o cinismo do império global. Radical, sem ser simplista, Zero desconstruiu o muro americano e as missões humanitárias da ONU e, de quebra, ainda nos brindou com uma de suas melhores canções de amor, a maravilhosa “Meu Esquema”. Lançado em 2000. (ver seção “Discografia Oficial”).

Primeiro Manifesto – Zero Quatro é o autor do chamado Primeiro Manifesto Mangue. O texto, escrito em 92, deveria funcionar apenas como um release. Na época, o Mundo Livre e Chico Science e Nação Zumbi haviam realizado alguns shows em conjunto e um certo frisson em torno do Mangue rolava pela cidade, principalmente entre os formadores de opinião pública. O release acompanharia uma espécie de book do Mangue, com recortes de jornais, cartazes e panfletos, a ser enviado à mídia e às gravadoras. Mas o estilo da escrita do Zero, bastante incomum para esse tipo de texto, influenciou na sua recepção, transformando o despretensioso release no “primeiro manifesto”. Nas suas três partes (O Conceito, A Cidade e A Cena) um fato mostra-se fundamental: foi graças a um trabalho sobre os manguezais realizado para uma produtora independente do Recife, a TV Viva, que Zero – um jornalista, vale lembrar - reuniu as informações sobre o ecossistema Mangue utilizadas no texto.

Rádio S.AMB.A – A sigla presente no título do primeiro disco em estúdio da Nação após a morte de Chico deixa claro o que espera o ouvinte. S.amb.a é o “serviço ambulante da afrociberdelia”, uma espécie de sound-system em forma de cd elaborado para espalhar doses de música e informação mundo afora. Estamos de volta! Sobrevivemos! parecem anunciar Jorge du Peixe e seus companheiros. A prova estava nas quatorze faixas apresentadas ao público, todas elas capazes de pertencer sem desonra ao repertório dos tempos de Chico. A tarefa de dar a volta por cima acelerou um processo que já dava seus primeiros passos no Afrociberdelia: cada integrante da Nação passou a afirmar com mais vigor sua individualidade, sem que o coletivo ficasse prejudicado com isso. Assim, Toca Ogan assumiu com firmeza seus dotes vocais e de compositor e Du Peixe soltou as amarras e escreveu quase todas as letras do disco, ora solo, ora em parceria. A chegada do ano 2000 deixou todo mundo feliz: com Rádio S.amb.a, a Nação estava de volta mandando brasa! (ver seção “Discografia Oficial”).

Renato L – O “ministro da informação” do movimento, como Chico Sciece o apelidou, nasceu no Recife em março de 63. O “L” do seu codinome é uma homenagem a Mark P, um inglês responsável pelo primeiro fanzine punk, chamado apropriadamente de Sniffing Glue( “Cheirando Cola”). Sua curiosidade incessante por música e cultura pop e sua indisposição ao trabalho regular permitiram que ocupasse um lugar de destaque na concepção do Mangue Beat: ele tinha a matéria-prima e todo o tempo do mundo para processá-la! E foi o que fez, trabalhando como jornalista, DJ e uma espécie de consultor do movimento. Suas participações mais marcantes se deram através de programas de rádio (co-produzindo o Mangue Beat e o Manguetronic. ver verbetes) e na redação do segundo manifesto, lançado em 97 (ver verbete). Endereço para contato: renatolins@hotmail.com . Samba Esquema Noise – Uma das estréias mais bem-sucedidas da história do pop brasileiro! Quem escutou Samba Esquema Noise em 94, ano de seu lançamento, percebeu de imediato que estava diante de um clássico. O Mundo Livre realizou a fusão aparentemente impossível entre a raiva de Johnny Rotten e o suingue do samba. Daí a referência no título a outro disco também lendário, a estréia de Jorge Ben em “Samba Esquema Novo”, também revolucionário na sua abordagem do ritmo símbolo da brasilidade. Muito comentado, mas pouco escutado, graças a tradicional mediocridade das gravadoras e rádios nacionais, o disco trouxe faixas experimentais misturadas com pérolas pop do tipo “Musa da Ilha Grande” e “O Rapaz do Bonezinho Preto”, prontas para serem degustadas pelo grande público. Infelizmente, os tempos eram outros e o sucesso comercial que Ben alcançou permaneceu interditado para seu mais digno sucessor. (ver seções “Discografia Oficial” e “Bibliografia”, item “artigos”).

Segundo Manifesto – Publicado no Jornal do Commercio em março de 97, logo após o acidente que vitimou Chico Science, esse texto surgiu com a missão de sinalizar a sobrevida do Mangue e da Nação Zumbi à morte do seu maior ídolo. Escrito por Zero Quatro com a ajuda de Renato L, o manifesto proclamou a continuidade do movimento e listou as qualidades que faziam da Nação mais do que uma mera banda de apoio e, por isso, possuidora das condições necessárias para continuar suas atividades. Mais jornalístico que o primeiro e de menor repercussão, sua importância, no entanto, não deve ser subestimada: numa hora em que todos pareciam perdidos e atônitos, foi através dele que Zero Quatro e Renato L enfatizaram uma posição comum ao núcleo-base do movimento numa hora decisiva.

“Sunrise” – Em 92, Chico Science, Zero Quatro e Mabuse dividiram um amplo apartamento na rua da Aurora. O prédio, chamado Capibaribe, era uma construção dos anos setenta e possuía cômodos imensos, com destaque para uma sala de alguns quilômetros que terminava num amplo janelão. Dali era possível avistar o porto do Recife e quase todas as pontes que cruzam os seus rios. Uma visão maravilhosa, que merecia silenciosos minutos de contemplação de quem por lá passava. A decoração do apartamento consistia em alguns poucos móveis e em uma dezena de cartazes de filmes B comprados por Chico nos sebos do centro da cidade. No teto da sala, uma luz vermelha dava um ar de boate aos que avistavam o cômodo das calçadas. Um escândalo para os vizinhos, que ficaram ainda mais assustados quando em apenas três semanas aqueles jovens sem ocupação definida organizaram duas festas de arromba para dezenas de convidados. O “sunrise” marcou época, um covil tão romântico e poético quanto à bela música do The Who que inspirou seu apelido.

Vinícius Enter – Codinome de Vinícius Vasconcelos, guitarrista e vocalista amigo de Fred Zero Quatro e Renato L desde o início dos anos oitenta, ainda na época do movimento punk. Compôs “Caranguejos com Cérebro”, faixa que daria nome àquela que deveria ter sido a primeira coletânea do Mangue (ver caranguejos com cérebro). Durante um tempo largou a música e, inspirado pela leitura de On the Road, de Jack Kerouac, caiu na estrada e foi conhecer o Brasil. Só voltou à ativa no final do ano passado (2002).