O Diário do Conde de Nassau

..."Dentro de mais dois dias estarei deixando esta grande terra.

Ainda me lembro, quando aqui cheguei, do estado em que se encontrava a Conquista. A Companhia,em 1630, tinha tomado Pernambuco. Ocupou Olinda, depois caiu a Aldeia Recife e, após um período de lutas, com a perda do Arraial, uma boa fortificação pelos portugueses, a conquista foi quase definitiva.

Em 1637, após uma longa viagem desembarquei em terras do Brasil. Foi um deslumbramento - o verde das matas, os pássaros, o grande rio, que me lembrou as terras e os canais de Amsterdam. O Recife, desorganizado como cidade, estava com muitos da Companhia, e nele ainda se sentiam as marcas das primeiras lutas. No outro lado do rio, a ilha, onde estava situado o grande alojamento e o Forte Ernesto, este levantado em redor de um pequeno convento de capuchos.

Não fiquei morando no Recife, estava muito desarrumado para o meu gosto, fui para a ilha, que se chamou antes de Antônio Vaz. Nela me instalei em um grande sobrado, perto do rio, e, de onde avistava o Recife. Sobre o seu telhado, meu amigo Sr. Marcgrave instalou um observatório; várias vezes ali subi para observar os astros e ver, à distância, o mar e as terras em redor.

Pouco depois de ter me instalado com toda a criadagem e meus amigos Senhores Piso, Macgrave, Post e Eckhout, além do poeta Plante, e outros, fui ver a antiga vila de Olinda. Que tristeza! Do Recife eu a avistei logo, - no horizonte vi as ruínas da igreja matriz que marcavam o alto de uma colina. A silhueta de Olinda é muito bonita, ao se recortar contra o céu. Foi uma pena a sua destruição. Dos restos das construções se aproveitou a Companhia quando contratou a retirada, em 1639, de pedras para as obras do Recife.

O primeiro governante, um português chamado Duarte Coelho, escolheu o sítio, para instalar a sede da Capitania, a cavaleiro do mar e tendo como porto de apoio as terras baixas do Recife, protegidas pelas muralhas de pedras natural.

Chegando, naquela antiga vila, pude percorrer as suas ruas incendiadas; o incêndio da cidade, ateado pelos da Companhia, em 1631, foi extenso e, não fossem os índios que acudiram os padres, teriam se consumido totalmente algumas das grandes construções dos religiosos. Perto da antiga Matriz, bastante arruinada, me deparei, ao lado do mar, com a grande construção dos padres da Companhia. Que maravilha, - estes jesuítas não construíam para o momento, mas sim, vendo o futuro.

Na Matriz, no Colégio da Companhia de Jesus e noutras em ruínas ainda pude ver os ricos altares. Não vi imagens de santos, deviam ter sido tiradas dos altares pelos portugueses.

A vila, no que se referia às moradias, ao casario, estava desmantelada.

Era mais bonita de fora que de dentro.

Mas, naquele ano de 1637, após a minha chegada, a preocupação era tentar a paz. Sem uma boa convivência não poderia haver governo. Isto logo foi conseguido e se tanto não se obteve foi por falta de maior apoio dos da terra e da Companhia das Índias.

Quando considerei a minha maior permanência me interessei pelas melhoras das condições do Recife.

Do Recife, como era, me descreveram os da terra, aqueles que conheceram a prosperidade de Olinda, lá pelo princípio do século e, mesmo outros, ainda vivos, que assistiram a chegada de um visitador religioso, em 1595, e, mas recuando no tempo, do Jesuíta Cristóvão Gouveia. Essa gente velha, me informou, através do padre Manoel do Salvador, que os da terra chamavam "dos óculos", da impressão que daquela cidade em descrições, disse naqueles tempos os visitantes.

Um tal Gabriel Soares de Souza chegou a deixar manuscritos sobre a vila e o resto do Brasil; uma cópia do que se escreveu me chegou as mãos, através daquele religioso.

Por essas notícias pude entender os interesses da Companhia na conquista. Realmente Olinda e o Recife eramo foi conquistada a capitania, deixou boa memória do dia do desembarque um soldado; sua descrição é saborosa notáveis nessas partes do Brasil.

Quando foi conquistada a capitania, deixou boa memória o dia do desembarque um soldado; sua descrição é saborosa. Li antes de vir para essas terras. Me informei, de muito mais, não iria chegar sem nada saber. É verdade que para melhor se conhecesse no futuro sobre essa terra extraordinária, vieram homens cultos os quais sobre ela estudariam e escreveriam, recolhendo para tanto muito material.

Mas, voltando a falar do Recife, me ocorreu dizer mais sobre a aldeia junto ao mar. O Recife, quando em 1630, era muito pequeno e, nele já se tinha dificuldades de terras para construção.

Junto aos arrecifes, na entrada da barra havia um forte, na laje. Outro apenas existia em terra e, ainda outro, em construção na língua de terra que ligava a Olinda. Os grandes armazéns, reconstruídos depois pela Companhia, foram incendiados em 1630 pelo Sr. Matias de Albuquerque e no casario existente, alguns sobrados, de mais de um pavimento. Encontrou-se no Recife uma igreja, antiga, desde os primeiros dias, dedicada a um São Frei Pedro Gonçalves. Dela logo os da Companhia se apossaram e transformaram para o culto reformado. Suas ruas eram estreitas e sujas. Não gostei dessa parte e me instalei, como disse, na ilha. Lá, quando cheguei ainda não havia grande número de casas de moradia. A travessia desde o Recife era difícil. O rio, muito largo no trecho e de fortes correntezas, obrigava a uma balsa, presa a um grande cabo. Como era ruim atravessar. Se assim continuasse não cresceria as construções na ilha, lugar como disse mais aprazível.

Recife muito deve, nos primeiros dias da Conquista, ao Governador Sr. D. Van Weerdenburch. Ele fortificou, construiu defesas e proveu de água a aldeia.

Os primeiros dias foram difíceis. O inimigo não dava trégua. Senhor do conhecimento da terra ele se instalou perto do Recife e de lá combatia sempre os nossos.

Voltando ao Recife, ele deveria ser tão notável quanto foi antes Olinda.

Assim logo cuidou-se da construção de dois palácios. Um para residência oficial, onde seriam os despachos e onde se pudesse receber e, outro, para repouso, poderia dizer, de inverno. O primeiro deles construído na parte de terra ao Norte do Forte Ernesto e voltado para o continente, Olinda e o Recife. Lugar encantador e onde se tem, além do palácio, com suas duas altas torres, um jardim, no qual, para divertimento dos da casa, instalou-se viveiros, jaulas com animais e plantou-se coqueiros, muitos dos quais transplantou-se já adultos. Para os palácios mandou-se fazer móveis e adquirir tapetes, além de orná-los com quadros pintados pelos nossos artistas. O grande salão do principal, os das torres, estava bem ornamentado, e nele se recebia muito bem. Nos jardins, quantas vezes me diverti, a maneira nossa, como muito vinho e cerveja. Vai-se levando os móveis e os quadros. Deixa-se o palácio vazio, quem vier depois que o ornamente e lhe dê vida.

Além dos palácios, construiu-se a igreja dos Calvinistas, onde eles puderam realizar decentemente seus cultos.

Mas, foi com as novas construções na ilha, que se deteve mais o governo.

O Recife já não cabia mais de construções. A população era muita e as casas poucas.

Assim, foi encarregado o irmão do pintor Frans Post, o arquiteto Pieter Post, de fazer o traçado das ruas para a expansão do casario em direção ao Forte, e isto deveria ser feito a maneira nova, numa cidade moderna.

O projeto foi entregue e iniciou-se a demarcação das ruas e abertura dos canais. Estes deveriam se interligar ao sistema antigo de defesa, e, ao se expandir, a parte velha, esta será mantida separada da nova, por um canal.

Assisti eu mesmo, ainda me lembro bem, a demarcação, no solo conquistado aos alagados, da nova cidade. Nela, praças ao lado do canal principal, e casinhas pequenas foram construídas. Como ficou elegante, aprazível - moderna. Dela fez desenhos o Sr. Post. Espera-se usá-los no futuro.

No entanto, sem pontes não haveria maior crescimento. Assim, projetou-se e construiu-se duas grandes pontes. Uma para o Recife, outra para as terras na outra banda do Palácio da Boa Vista.

A primeira, iniciada em pedra, foi concluída diante da desistência do construtor, em madeira. A segunda foi feita toda de madeira.

Para construir a primeira ponte foi instituída uma contribuição antecipada, a qual, por insuficiente, teve que ser complementada pelo pagamento da passagem, o pedágio, o que sabe-se depois veio desagradar bastante os da terra. Paciência, não poderia arcar com tantas despesas inesperadas apenas com o valor antes arrecadado.

O Recife cresceu comigo nesses anos em que estive nas possessões da Companhia, e sei, talvez um dia, percamos toda a conquista, mas, nessa cidade Maurícia e aquele lugar do Recife não serão abandonados em favor de Olinda.

É com tristeza que deixo esta terra e antevejo o seu futuro grandioso. Eles, os que ficaram, dirão futuramente o quanto devem a esse período do governo.

Hoje, neste instante da partida vejo, comparando com o Recife que vi quando cheguei, o quanto esta cidade é linda, debruçada no grande rio.

No momento, me sinto profundamente triste mas, satisfeito pelo que vi e participei.

Dessa terra levo muitas memórias e dela fixou aspectos extraordinários, de suas paisagens e da gente, os pintores, Srs. F. Post, Zacharias Wagner, e o notável Albert Eckhout.

Um dia irão falar muito disto tudo."

Fonte: Transcrição do Relatório 86/87 do Moinho Recife.

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