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"Pernambuco precisa pensar grande, o projeto de desenvolvimento do turismo em nosso Estado precisa de um lado ser mais audacioso e de outro buscar transformar o processo econômico concentrador."

Esta afirmação está contida no artigo de minha autoria intitulado "Complexo Turístico Cultural Recife/Olinda", publicado neste Diário de Pernambuco, em 9 de janeiro de 1996.

Dentro desta visão, sem abandonar o Projeto Costa Dourada, propunha que os recursos do Prodetur, destinados ao Estado de Pernambuco deveriam, prioritariamente, ser canalizados para a implantação de um grande Complexo Turístico Cultural na área que vai do Bairro do Recife Antigo até o Sítio Histórico de Olinda.

Pela beleza da paisagem natural, pelo valor histórico e arquitetônico de suas edificações, pela significativa concentração de equipamentos de grande porte voltados para cultura, lazer, eventos e comércio já instalados na área e o seu potencial para atrair novos investimentos, especialmente pela localização privilegiada no espaço metropolitano, via aí a grande oportunidade de Pernambuco implantar um grande complexo turístico urbano, certamente o maior do Nordeste.

Este enfoque, mais ousado e abrangente daria mais consistência à estratégia de desenvolvimento do turismo no nosso Estado e tornaria bem mais viável a captação de recursos para os investimentos necessários à sua implementação.

O mais importante: que a política de desenvolvimento do turismo priorizasse os investimentos que tivessem uma maior capacidade de retorno não apenas do ponto de vista econômico, mas, principalmente, do social, através de uma maior capacidade distributiva dos recursos e benefícios gerados, atributo, por excelência, do turismo cultural, pela abrangência e diversidade da sua cadeia produtiva.

Defendia, também, o ponto de vista que as divergências políticas dos governantes não poderiam inviabilizar um futuro melhor para as cidades de Recife e Olinda e que o plano global desta área deveria ser fruto de uma ação articulada e integrada do governo do estado e das prefeituras das duas cidades.

Passados cinco anos, o ideal é que já tivéssemos, hoje, o Plano Diretor do Complexo, que, garantindo a preservação da paisagem e dos espaços "non aedificandi", definisse os usos adequados à importância histórica e ao potencial econômico desta área, e, principalmente, o novo desenho urbano e os novos equipamentos a serem implementados, potencializando a sinergia entre eles e os já existentes, o que daria consistência à proposta e facilitaria a atração e captação dos recursos públicos e privados necessários para a implementação deste importante empreendimento para o desenvolvimento do nosso estado.

Apesar de, nestes últimos anos, vários projetos terem sido implementados e outros estejam em implantação ou ainda em fase de estudos nesta área, não foram planejados globalmente, todos foram pensados isoladamente, sem uma maior articulação e interação, o que diminui muito a força, o impacto e a sinergia destes empreendimentos.

Com as articulações para viabilizar a instalação de uma unidade do Museu Guggenheim na cidade do Recife, a proposta do Complexo Turístico Cultural Recife/Olinda foi assumida pela Prefeitura do Recife e apresentada ao Governo do Estado, que concordou com a idéia, sugerindo a extensão da sua área de abrangência até o Pina.

Com este consenso, a proposta tomou corpo, tornando-se o principal referencial na discussão sobre a instalação do Museu Guggenheim, que passou a ser visto com um dos equipamentos deste Complexo e não mais como um empreendimento isolado.

Dentro desta ótica, só terá sentido o investimento para instalação do museu se ele funcionar como âncora de um projeto maior e se inserir adequadamente no contexto metropolitano como parte de um conjunto de equipamentos e ofertas de produtos culturais capazes de aumentar significativamente o fluxo do turismo cultural para nossa cidade.

Em outras palavras, o Guggenheim deve contribuir para botar para moer a nossa rede de refinarias culturais, alavancando a cultura como um importante vetor de desenvolvimento da nossa economia, contribuindo efetivamente no processo de transformação da nossa realidade social.

Isto será possível? Os benefícios compensarão os altos custos da sua implantação e manutenção?

No nosso ponto de vista, este deve ser o foco principal do debate, onde devem participar não apenas o setor cultural, mas todos os segmentos da nossa sociedade, dos empresários aos trabalhadores, num processo amplo e democrático, onde sejam abordados todos os aspectos que envolvem a questão, ou seja, culturais, turísticos, econômicos, sociais, urbanísticos.

Com emoção, mas com racionalidade, sem posturas de colonizados deslumbrados nem de xenófobos, sem visões preconcebidas ou preconceituosas, mas com altivez e consciência do nosso papel como país culturalmente rico e com identidade própria, com um importante papel no contexto internacional.

Este debate deve ocorrer desde já, no entanto, só poderemos concluí-lo após a recebimento do estudo de viabilidade que está sendo contratado com a Fundação Guggenheim, quando teremos, então, o valor dos recursos necessários para a elaboração dos projetos de arquitetura e design, construção, formação do acervo, manutenção e programação do museu nos próximos 5 anos, critérios de curadoria para seleção do acervo e programação das exposições, modelo e custos de gerenciamento, relação com a nossa cultura, impacto no fluxo turístico e na economia local e regional e demais informações referentes à implantação e funcionamento do museu.

Compreendendo que a cidade do Recife e o estado de Pernambuco possuem na sua cultura um dos pontos mais importantes e significativos na construção da sua história e que ela exerce um papel determinante na vida do nosso povo, o grande desafio, hoje, é potencializar esta riqueza, transformando-a num importante vetor de desenvolvimento da nossa economia, sem descaracterizá-la.

O Guggenheim deve fazer parte deste processo, dando visibilidade internacional à nossa cidade como centro cultural, atraindo visitantes potencialmente interessados em conhecer e consumir nossos produtos culturais.

Para que isso aconteça, é necessário não apenas instalar o Guggenheim, mas simultaneamente preparar a cidade do Recife e a região metropolitana como um todo para receber os visitantes que virão atraídos pelas suas grandes exposições internacionais, instalando uma infra-estrutura urbana de qualidade, serviços de transportes, segurança, sinalização turística, hotelaria e, principalmente uma rede de equipamentos culturais que atraiam e façam estes visitantes circularem nas cidades, percorrendo diversos circuitos culturais, conhecendo a nossa arquitetura, museus e galerias de arte, ateliês, teatros, feiras de artesanato, espaços culturais, mercados, clubes e agremiações carnavalescas, bares, restaurantes, consumindo nossos produtos culturais, nossa arte, nossa gastronomia.

O caso da cidade de Bilbao é exemplar: não aconteceu como aparenta o famoso "milagre Guggenheim", na verdade a instalação do museu foi parte da estratégia de transformação da cidade, que, preocupada com a sua decadência econômica e social, mobilizou-se, articulou os setores públicos e privados, planejou e implementou um ousado conjunto de intervenções urbanas, envolvendo questões de saneamento e meio ambiente, sistemas de transporte, requalificação de espaços públicos, restauração de edificações com instalação de grandes equipamentos de cultura e lazer, centros desportivos, palácios para congressos, pavilhões para feiras e exposições, todos com projetos de arquitetura de altíssimo nível, mudando totalmente o ambiente urbano e transformando o perfil econômico da cidade, voltando-a para o turismo cultural com a presença anual de mais de um milhão de visitantes.

é importante ressaltar que não foi a Fundação Guggenheim quem tomou a iniciativa de instalar uma filial em Bilbao, mas a cidade quem buscou e convenceu o seu Diretor Thomas Krens da validade deste empreendimento e se dispôs a bancar os custos de sua implantação.

Hoje, ninguém duvida do seu significado para esta cidade espanhola, que passou a ser conhecida mundialmente e teve o retorno do investimento bem antes do que era previsto no estudo de viabilidade realizado pela Fundação Guggenheim, com o aumento significativo da movimentação do fluxo turístico e o conseqüente reflexo na sua economia.

No Protocolo de Intenções assinado entre a Prefeitura do Recife e o Governo do Estado consta a instalação de um Grupo de Trabalho com a finalidade de coordenar o planejamento do Complexo Turístico Cultural Recife/Olinda.

Este Grupo, constituído por representantes das prefeituras de Recife e Olinda e do Governo do Estado já está funcionando e nos próximos meses desenvolverá este trabalho como um dos Projetos Estratégicos de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife, dentro do Programa "Metrópole Estratégica", articulado pela FIDEM.

Estamos no caminho certo.

Sem dúvida alguma, este é um momento muito especial para a construção do futuro da nossa cidade e se conseguirmos mobilizar para este debate os técnicos, os empresários, os trabalhadores, os artistas, os produtores culturais, os intelectuais, as lideranças políticas, os cidadãos recifenses, poderemos concretizar tudo o que idealizamos e daqui a dez anos a nossa cidade certamente será mais imponente, contemporânea, bela e bem mais humana e menos cruel socialmente.

Temos uma grande oportunidade de refletirmos não apenas sobre o futuro da nossa cidade, sobre os possíveis caminhos da nossa cultura dentro de um mundo globalizado e as formas como poderemos nos inserir neste processo mantendo a nossa identidade, mas, também, considerando a cultura como um dos mais importantes segmentos da nova economia neste terceiro milênio, pensarmos o papel que ela pode ter para mudar a nossa realidade social, gerando oportunidades e recursos que possam ser apropriados de forma mais desconcentrada, invertendo a lógica neoliberal e distribuindo a riqueza de forma mais democrática.

O debate está aberto. Vamos participar!

João Roberto Peixe é designer e atual
Secretário de Cultura da Cidade do Recife