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A reestruturação do setor elétrico brasileiro teve início em 1995 com a lei no 8987 de 13 de fevereiro, que trata sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Um dos pilares desta reforma tem como objetivo a criação de um mercado competitivo no setor, a partir da atração de investimentos privados, aumentando assim a eficiência dos serviços elétricos e diminuindo o preço da energia.

Até agora já foram privatizados 30% da geração e 80% da distribuição e o que ocorreu foi uma enorme deterioração da garantia de fornecimento de energia e seu preço ao consumidor final disparou. Chegamos a uma situação que nos obriga a aceitar tarifas extorsivas para não ficar no escuro, além da paralisação e proibição criminosa dos investimentos públicos em geração e, principalmente, na transmissão. Tudo isso, para atender aos credores externos e as metas do FMI. O ajuste fiscal imposto ao país engessou os investimentos do grupo Eletrobrás nos últimos anos.

Sem o interesse de ampliar a capacidade instalada, aumentando assim a oferta e baixando os preços, o gestor privado prefere a escassez para poder aumentar as tarifas. Tem havido sim o interesse privado em extrair lucro máximo a partir da energia "velha", sem fazer investimentos em novas usinas de geração. A teoria de mercado ensina que os preços caem quando a oferta supera a demanda. Quando o inverso ocorre, os preços sobem. A irresponsabilidade da classe dirigente do país deixou que a oferta ficasse quase 20% atrás da demanda. Por isso estamos no racionamento.

O aumento das tarifas e os empréstimos do BNDES (Tesouro Nacional), para cobrir pretensos prejuízos decorrentes da redução de faturamento causado pelo racionamento de energia elétrica, não é cabível. Essas perdas, que serão cobradas da população, são decorrência da má gestão pública-privada do setor elétrico. Se o Brasil fosse um país sério, os responsáveis pela política que levou a essa situação, estariam fora do governo e respondendo por seus atos.

O que os investidores internacionais desejam, com a conivência dos setores responsáveis pela política energética, é criar no Brasil "um capitalismo sem risco". É difícil achar no planeta um exemplo mais impressionante de favorecimento do capital para promover a privatização de um setor. E, diga-se de passagem, sem resultados benéficos à população.

Sem dúvida, com as privatizações e a abertura do mercado, quem tem ganhado (e muito!) com as privatizações são os grupos internacionais/investidores e seus associados no Brasil - setores importantes da tecnocracia que prepararam o modelo de privatização e reestruturação e depois se aliaram aos compradores, recebendo salários elevados. Estes técnicos de ponta, muito dos quais se aposentaram no setor elétrico, mais que a competência técnica, vendem e estão vendendo o tráfico de simpatia e de influência junto aqueles que ainda continuam no poder e nos órgãos controladores do setor elétrico, seus associados na elaboração deste novo modelo.

Por outro lado, os grandes perdedores são os consumidores, cujas tarifas aumentaram muito e vão continuar aumentando. Os trabalhadores do setor tiveram sua força de trabalho reduzida a menos da metade com programas de terceirização e salários menores. A indústria tende a perder sua competitividade sistêmica e a empresa nacional, na fabricação de equipamentos. Perdedores são os setores de engenharia na produção dos serviços necessários para as usinas e todo o aparato relacionado com o desenvolvimento do setor elétrico.

O Governo Federal errou ao ver na privatização um substituto para o planejamento e a responsabilidade pública na área de energia. Na verdade, o Governo está transferindo à população todos os riscos do negócio, criando uma situação excepcional e de privilégio para as concessionárias de serviços públicos que deveriam prestar o serviço com continuidade, qualidade e modicidade tarifária, por sua própria conta e risco. O modelo em implantação no Brasil é um "negócio da China" para o investidor privado, que é um dos maiores beneficiários, e quem está perdendo é o conjunto da sociedade brasileira.

Heitor Scalambrini Costa
Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco
Coordenador do Núcleo de Apoio a Projetos de Energias Renováveis