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A energia é um elemento indispensável para o desenvolvimento econômico e social da humanidade. A eletricidade, em particular, é o ingrediente básico para mover as indústrias, proporcionar o conforto doméstico, conectar o mundo por intermédio das telecomunicações, facilitar a dotação de serviços indispensáveis à sociedade, como saúde, educação, água potável, entre outros.

Em escala mundial, a energia consumida pelo homem provém em, aproximadamente, 80% de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural). A utilização massiva desses energéticos tem conduzido ao esgotamento de suas reservas e constituído uma ameaça real ao meio ambiente, por conseqüência do esquentamento global da Terra (efeito estufa), dos riscos à saúde e da acidificação do ciclo da água. Não podemos nos esquecer que os combustíveis fósseis quando queimados nas termelétricas, nos transportes, nas indústrias, liberam gases altamente tóxicos e poluentes (gás carbônico, óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre, entre outros). Esses gases são os grandes responsáveis pelos impactos ambientais, que chegam a colocar em risco a própria sobrevivência da raça humana.

Este modelo de gestão energética, com padrões de produção e consumo que agridem o meio ambiente, provoca redução dos recursos naturais e uma massiva extinção de espécies; está sendo questionado. A introdução do conceito de sustentabilidade energética aponta para o uso cada vez mais crescente das fontes limpas e renováveis de energia (biomassa, eólica, solar); e se elas ainda não são economicamente viáveis, se deve ao fato que no custo dos combustíveis fósseis, não está incluído os custos devastadores que o seu consumo impõe à sociedade.

Hoje, existe um consenso internacional para reduzir as emissões destes gases poluentes, através da redução do consumo dos combustíveis fósseis. O Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, é uma prova disso. Ele expressou a vontade política dos países em reparar o que vem sendo feito, quando estabeleceu regras para a redução da emissão de carbono de 5%, comparada aos níveis de 1990, o que deverá acontecer entre 2008 a 2012.

Mas, lamentavelmente, o Brasil, e em particular Pernambuco, caminham no sentido contrário destas preocupações. As estratégias governamentais que estão sendo definidas indicam uma participação crescente dos combustíveis fósseis, especialmente o gás natural, na matriz energética.

A análise dos Balanços Energéticos do Brasil e de Pernambuco evidencia e mostra claramente, que nos últimos anos houve uma redução na participação dos chamados combustíveis de origem renovável (carvão vegetal, bagaço da cana, álcool, hidroeletricidade), em detrimento do crescimento dos derivados de petróleo e gás natural.

Em Pernambuco, decisões recentes, tomadas em relação à expansão da oferta de energia elétrica, estão na contramão da história e foram equivocadas do ponto de vista sócio-econômico-ambiental. Dentro do Programa Prioritário de Termelétricas (PTT) do Governo Federal, o governo estadual autorizou a instalação de uma usina termelétrica, a TermoPernambuco, em Suape, que terá uma capacidade instalada de 520 MW, com um custo final da energia estimado em R$ 94,00/MWh.

A TermoPernambuco utilizará a água do mar (da ordem de 10 m3/s) para sua refrigeração, devolvendo-a mais quente o que poderá destruir a fauna e a flora da região, além de aumentar a temperatura média do lugar. A inexistência de uma legislação ambiental, específica para regulamentar os níveis de poluentes lançados ao meio ambiente, dificulta o combate à destruição ambiental. A utilização do gás natural provocará um acréscimo considerável das descargas de óxidos de nitrogênio (NOx), dióxido de enxofre (SO2) e monóxido/dióxido de carbono (CO/CO2) na atmosfera.

Considerando o fator de capacidade desta usina de 80%, ou seja, operando 7.000 horas por ano, serão despejados no meio ambiente aproximadamente 1,8 milhões de toneladas-ano de CO2, e 836 toneladas-ano de NOx.

Além de não tornar público a avaliação ambiental dos impactos causados por este projeto, lamentavelmente, o governo decidiu por uma solução dispendiosa, dependente de tecnologia, com equipamentos e combustível importados, e que provocará ainda mais, o desequilíbrio na balança comercial do Estado.

Mesmo com todas as evidências do mau negócio realizado com o PTT para os cofres públicos, para o bolso dos consumidores e, principalmente, para a saúde pública; o Governo de Pernambuco aderiu ao Programa de Geração de Energia Emergencial, que utiliza óleo combustível e diesel para produzir energia elétrica. No dia 14 de janeiro deste ano, foi assinado conjuntamente com o Ministério das Minas e Energia o termo de autorização para a instalação de mais 10 termelétricas emergenciais em municípios pernambucanos, totalizando 244 MW de potência instalada.

A maior termelétrica, com 128 MW vai operar em Petrolina. Outras seis usinas de 5 MW cada, estão sendo instaladas nas sub-estações da Celpe de Porto, Ipojuca, Suape, Cabo, Pirapama e Prazeres. As outras três usinas ficarão localizadas nas cidades do Cabo-Termocabo com 48 MW, de Carpina com 20 MW, e de Vitória de Santo Antão com 18 MW. O custo médio da energia gerada nestas instalações será de R$ 289,00/MWh, o que representa sete vezes mais que o custo da energia produzida nas hidrelétricas, e três vezes mais do que a geração termelétrica a gás.

Na assinatura desta autorização foi enfatizado pelas autoridades que os investimentos seriam realizados pela iniciativa privada. O que não foi dito é que quem pagaria estes investimentos seria o consumidor, com a cobrança de um adicional médio, em torno de 2% sobre as tarifas elétricas, e revisado a cada três meses. O seguro apagão, como vem sendo chamado, já está sendo cobrado desde 1o de março último. Avalia-se algo em torno de 600 milhões de reais o que os consumidores pernambucanos pagarão pelo simples aluguel destas usinas, durante três anos e meio de vigência dos contratos. E é bom salientar, que caso sejam acionadas, mais ainda o consumidor pagará.

Esta aposta em termelétricas, que geram eletricidade queimando combustível de origem fóssil - gás natural, óleo combustível e diesel; é muito arriscada e conflitante com os princípios desejados para um setor energético sustentável. O efeito estufa, acúmulo de gás carbônico (CO2) na atmosfera terrestre, provoca o aumento da temperatura média da Terra, cujas evidências são hoje irrefutáveis. Os óxidos de nitrogênio (óxido nítrico, radical livre-NO; e o dióxido de nitrogênio-NO2) são perigosos para a saúde humana, pois estão envolvidos em diversas condições patológicas (como impotência masculina, diabetes, hipertensão, câncer, asma, processos alérgicos e inflamatórios, problemas cardíacos entre outros), além de se transformarem, na atmosfera, em ácido nítrico que compõe a chuva ácida juntamente com o dióxido de enxofre. Além disso, levam a formação do ozônio, um poluente que, também, provoca danos graves à saúde (redução da capacidade do aparelho respiratório, diminuição da resistência às infecções, aumento na tosse, asma, irritação das vias respiratórias e dos olhos). Nas plantas, age como inibidor da fotossíntese, produzindo lesões nas folhas. O ozônio, localizado nas camadas inferiores da atmosfera (< 25 km), tem seus efeitos mais danosos relacionados com a exposição acumulativa.

Ao propor as usinas termelétricas, como a única solução redentora do desenvolvimento econômico e social, e sem a menor discussão democrática com a sociedade, o governo estadual agiu contra os anseios e desejos dos que almejam uma sociedade mais justa e sustentável. Na verdade, não possue uma avaliação do potencial das fontes de energia disponíveis no território pernambucano, e nem conta com diretrizes para implementar políticas voltadas a um planejamento energético integrado.

Estudos realizados pelas universidades pernambucanas mostram a existência de um diversificado potencial de recursos energéticos renováveis, não poluentes, o que permitiria em curto prazo, aumentar a oferta de energia elétrica. Recursos e investimentos deveriam ser aplicados no aproveitamento da energia térmica co-gerada nas indústrias (particularmente sucro-alcooleira, utilizando o bagaço da cana); da energia eólica; da energia solar térmica, para aquecimento de água e produção de vapor; e da energia solar fotovoltaica, para sistemas não conectados à rede convencional.

Não se deve desprezar, as abundantes jazidas de vento identificadas no litoral e no interior do Estado com potencial estimado da ordem de 800 MW; as termelétricas movidas à biomassa com óleos vegetais, gás de madeira, carvão vegetal; além do uso do lixo urbano para fins energéticos. A utilização do bagaço da cana para a co-geração de eletricidade na indústria sucro-alcooleira é uma das alternativas mais viáveis técnica e econômica, infelizmente, muito pouco utilizada.

A aplicação direta da energia solar para aquecer a água reduziria bastante o consumo de energia elétrica. No caso de 50.000 chuveiros elétricos serem substituídos pelo aquecimento solar da água, serão economizados no setor residencial, aproximadamente 27.000 MWh. A utilização da eletricidade solar nas áreas rurais contribuiria para a universalização dos serviços elétricos. Em Pernambuco, existem, hoje, 350 a 400 mil pessoas que não são assistidas pela rede elétrica. O atendimento pela energia fotovoltaica de pelo menos 20% desta população, representaria uma potência instalada de 2,5 MW.

Nada disso foi considerado na hora que se tomou decisões estratégicas para o setor energético. As decisões foram tomadas de forma autoritária que só irão trazer repercussões negativas na qualidade de vida presente e futura dos pernambucanos. O Estado precisa urgentemente de uma política energética discutida ampla e democraticamente pela sociedade e direcionada ao desenvolvimento energético sustentável.

Portanto, devemos cobrar e exigir de nossos atuais e futuros governantes mudanças de rumo na atual política energética e o compromisso claro pela escolha de fontes limpas e disponíveis localmente, que satisfaçam às necessidades energéticas da população com bases socialmente justas e ambientalmente responsáveis. Para tanto, duas orientações complementares devem nortear o cenário de sustentabilidade energética: a distribuição equânime e universal e o uso crescente de fontes renováveis de energia. Sem dúvida será a diversificação e a complementaridade, envolvendo várias fontes energéticas, que garantirão o desenvolvimento sustentável de Pernambuco.

Prof. Dr. Heitor Scalambrini Costa
Departamento de Engenharia Elétrica e Sistemas de Potência
Universidade Federal de Pernambuco