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No Mundo de hoje, mais do que nunca, é preciso construir uma relação sustentável entre as sociedades humanas e a natureza. No mesmo grau de importância está o confronto com a desconstituição das nações promovida pelo neoliberalismo. Especialmente no Brasil, a luta pelo fortalecimento do poder local, pela construção de uma verdadeira Federação e pela descentralização das políticas públicas conquista passos fundamentais.

É nesse contexto que a discussão sobre a aplicação ao Recife do Código Florestal acontece. Preservar e construir são complementares na conquista de uma vida melhor. O antagonismo reduz o debate e gera uma falsa polarização. O Código Florestal, editado há quase 40 anos, nunca foi aplicado para regular o uso do espaço urbano do Recife. Aqui prevaleceu sempre a Lei de Uso e Ocupação do Solo do Município. Desde 1996, com a aprovação da Lei, assegura-se a não ocupação de uma faixa de 20 metros nas margens dos cursos d'água e se definiram áreas especiaisde preservação ambiental, as chamadas áreas verdes. Mesmo depois da introdução, em 1989, no Código Florestal, do parágrafo único, artigo 2o, nunca se aplicou tal dispositivo à cidade.

A Lei Nacional prevê um limite mínimo de uma faixa de 30 metros nas margens dos cursos d'água. A Lei do Uso e Ocupação do Solo define 20 metros. Esse debate está sendo feito no Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam) ao mesmo tempo em que o Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) começa a discutir a revisão do Plano Diretor da Cidade. Uma oficina foi patrocinada, em junho, pela Secretaria de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente envolvendo diversos atores.

Daí a surpresa quando, em 2 de agosto passado, um ofício conjunto dos Ministérios Públicos Estadual e Federal com recomendação, seguida de advertência, para que a Prefeitura aplique imediatamente a legislação nacional. A nossa posição é a mesma de sempre. Agir com prudência. Buscar o diálogo. Defender de forma intransigente os interesses da maioria da população. Segue essa linha a determinação para suspender, por 90 dias, a análise de projetos e emissão de licenças de construção em áreas da cidade onde supostamente o Código Florestal se aplica no rigor sugerido. Cumprir as formalidades e garantir que o debate democrático seja restabelecido. A sociedade precisa refletir as conseqüências da aplicação linear de um dispositivo nacional a uma cidade tão especial como a nossa.

O Recife é cidade tomada às águas, como diz o poeta. Tem apenas 218 km2 e quase 1,5 milhão de habitantes. O início de sua ocupação é no Século XVI e seu crescimento desordenado retrata toda uma história de quase 500 anos de exclusão social.

O debate sobre o Código Florestal remete às ações da Prefeitura que enfrentam essa realidade. Com 66 canais, o sistema de drenagem da Cidade necessita de revestimento. Aliás, essa é uma das prioridades definidas pela população no Orçamento Participativo, mostrando que quem sabe é quem sente. Urge uma política de saneamento básico para reparar uma história de abandono do povo pobre e prevenir doenças que persistem em nosso meio por falta de condições mínimas de vida. Um desafio para todos os poderes e instituições.

O Recife ainda tem reservas florestais e áreas de vegetação especial que necessitam do amparo protetor da lei municipal. Mas é preciso buscar o equilíbrio entre o fazer e o preservar, entre a necessidade de construir, de urbanizar e a de proteger.

O debate entre os 100, 20 ou 30 metros ao longo dos 60 km de margens do Capibaribe deve ter a mesma vida e riqueza que o seu leito inspira aos poetas. Combinar a poesia com a luta cotidiana pela sobrevivência. A modernidade e a eficiência com a busca constante pela felicidade, numa cidade que começa a se despoluir do anacrônico modelo autoritário, que parecia perpétuo, respirando novos ares de participação popular, inclusão social e inversão de prioridades.

(Artigo publicado no Diario de Pernambuco em 22/08/2002)

João Paulo Lima e Silva
Prefeito do Recife