Calungas do maracatu Foto: Pio Figueiroa
A BONECA É DE CERA

Um dos elementos sagrados do maracatu é a Calunga, também chamada de boneca, sempre presente ao cortejo das nações africanas, do qual se originou o nosso maracatu. Segundo esclarece Alberto da Costa e Silva 1: "Mantendo-se em segredo, os vínculos entre grupos ambundos, num segredo auxiliado pela ignorância dos senhores de escravos, tinham os chefes vendidos [escravos] de mostrar a fonte do seu poder - e já agora também penhor de unidade do grupo ao Brasil -, a calunga".

Até os nossos dias a Calunga faz parte do ritual do maracatu, encarnando nos seus axés a força dos antepassados do grupo. Em sua honra são cantadas, ainda dentro da sede, as primeiras loas, quando a Calunga é retirada do altar pela dama-do- paço e passa às mãos da rainha, que a entrega à baiana mais próxima e assim se sucede, de mão em mão até retornar novamente às mãos da soberana.

No Maracatu Elefante, pesquisado entre1949-52 pelo musicólogo Guerra Peixe, três calungas se destacavam: Dona Emília, Dom Luís e Dona Leopoldina.

A boneca é de cera
É de cera e madeira
A boneca é de cera
É de cera e madeira


Para a calunga "Dona Emília" eram dedicadas as maiores atenções. A ela era entoada a primeira toada, referida acima, na cerimônia também denominada de "a dança da boneca". A ela também eram consagrados os cânticos mais fortes: é essa principal boneca levada à porta da igreja de Nossa Senhora do Rosário; com ela o Maracatu Elefante dança diante dos terreiros (de xangô) visitados. É nas canções oferecidas a Dona Emília que os músicos executam o ritmo de Luanda - o toque "para salvar os mortos" ou eguns. 2 

"Dom Luís", segundo Guerra Peixe, representa "um rei africano", sendo por isso considerado como "Rei do Congo" pelos membros do grupo, bem de acordo com a interpretação recente de Alberto da Costa e Silva (op. cit.); numa clara referência aos primórdios do folguedo, coincidindo com a crença de que os poderes da Calunga estariam ligados aos seus ancestrais africanos, como bem enfoca esta loa: "A bandêra é brasilêra/ Nosso reis veio de Luanda / Ôi, viva Dona Emília / Princesa Pernambucana".


1  SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança - A África antes dos portugueses. Rio: Nova Fronteira, 1992.
2 GUERRA-PEIXE, César. in Maracatus do Recife. Prefácio de Leonardo Dantas Silva. Recife: Fundação de Cultura, 1981. 172 p. il.(Coleção Recife, v. 14).