CIRANDA, TODOS SÃO IGUAIS


CIRANDA. Foto: Alcides Ferraz

A ciranda é uma dança típica das praias, mais precisamente daquelas situadas ao norte de Pernambuco. Porém, sua origem não se restringe ao litoral. Nas pesquisas realizadas sobre esse folguedo, verifica-se que seu surgimento ocorreu, simultaneamente, tanto na zona litorânea quanto em certas áreas, mais interioranas, da Zona da Mata Norte. Nos primórdios, o ambiente de apresentação restringia-se aos locais populares como as beiras de praia, os terreiros de bodega, pontas de rua, etc. Seus participantes eram basicamente trabalhadores rurais, pescadores, operários de construção, biscateiros, entre outros.


"Na areia onde o mar chegou,
a ciranda acabou de começar, e ela é!
E é Praieira!"


Etimologicamente, a palavra "ciranda" foi alvo de muitas interpretações. Para o padre Jaime Diniz, pioneiro no estudo do tema, ela é proveniente do vocábulo espanhol Zaranda, que é um instrumento de peneirar farinha daquele país e que teria evoluído da palavra árabe Çarand, como afirma Caldas Aulete no seu Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa.
É muito comum na literatura brasileira a definição de ciranda como uma brincadeira de roda infantil. De fato, nas demais regiões do Brasil ela é um costume exclusivo das crianças. Porém, no nosso estado trata-se de um folguedo original, contando principalmente com a participação dos adultos, que não excluem a criançada quando esta deseja entrar na roda.
Como o coco, ela é bastante comunitária, não tendo nenhum preconceito quanto ao sexo, cor, idade, condição social ou econômica dos participantes.

"Estava na beira da praia
ouvindo as pancadas
das ondas do mar"
Antônio Baracho

Não existe limite numérico para esta brincadeira. Geralmente começa com uma pequena roda de poucas pessoas, que vai aumentando à medida que outros chegam para dançar. Estes "atrasados" abrem o círculo soltando as mãos dadas dos primeiros integrantes, inserem as suas e entram sem a menor cerimônia.
A saída do participante por cansaço ou por qualquer outro motivo ocorre da mesma forma, sem maiores satisfações. Se a roda atinge um tamanho que dificulte sua movimentação, forma-se outra menor no seu interior. O objetivo é a alegria de todo mundo!

Foto: Acervo JC

Os integrantes das cirandas são denominados de cirandeiros e cirandeiras. Tradicionalmente, além destes últimos, compõem também o folguedo o mestre, o contra-mestre e os músicos, que ficam no centro da roda. Cabe ao mestre a responsabilidade de iniciar e comandar a animação, de tirar os cantos, de tocar o ganzá (mineiro), e de manter a ordem quando necessária. Ele utiliza um apito que fica pendurado no pescoço para auxiliá-lo nas suas funções. É o integrante mais importante e muitas vezes seu nome serve de identificação da ciranda (ex.: a ciranda de Baracho, a de Lia, etc.). O pesquisador Evandro Rabello revela que alguns deles aparecem munidos de umpedaço de pau roliço, de madeira forte, enfeitado de anéis, que fica debaixo do seu braço ou entre suas pernas. Este utensílio é chamado de bengala, e sua utilidade, segundo o autor, é servir de defesa em caso de um imprevisto. Não se encontra tal instrumento com as mestras, sendo isto motivo de gozação por parte das pessoas, pois dizem que ele é o "documento do mestre". O contra-mestre pode tocar tanto o bombo quanto o caixa. Ele substitui o mestre quando este está ausente.

O ganzá, o bombo e o caixa, citados acima, formam o instrumental básico de uma ciranda tradicional. Às vezes, encontram-se ainda a cuíca, o pandeiro, a sanfona, ou algum instrumento de sopro. As músicas cantadas pelo mestre podem ser aquelas já decoradas (dele ou de outros mestres), improvisações, ou até mesmo canções comerciais de domínio público transformadas em ritmo de ciranda.

Os passos da dança variam com a própria dinâmica da manifestação, não sendo portanto definitivos. Pode-se, porém, destacar os três mais conhecidos dos cirandeiros: a onda, o sacudidinho e o machucadinho. A brincadeira não possui figurino próprio, estando seus integrantes livres para utilizarem todo tipo de roupa. Ela pode ocorrer em qualquer época do ano, não existindo datas certas para sua realização, evita-se apenas os dias de festividades religiosas como quarta-feira de cinzas, finados, etc.

Por volta da década de 70, muitas cirandas começaram a se apresentar em locais turísticos do Recife, como por exemplo, no Pátio de São Pedro, na Casa da Cultura, etc. Isto modificou um pouco o caráter do folguedo que passou a ter uma intenção mais de espetáculo. Desta forma, algumas transformações foram inevitáveis: a saída do centro da roda, dos músicos, do mestre e do contra-mestre, para melhor se adaptarem aos microfones e aos aparelhos de som; limite de tempo para se brincar, entre outras coisas.

Muitos compositores da música pernambucana atual se utilizam da ciranda na elaboração de seus trabalhos. Chico Science, como já foi destacado antes, e Lenine são alguns exemplos dos que enriquecem seus repertórios com esse envolvente ritmo.