UMA DANÇA PARA TODOS

"Seu delegado digo a vossa senhoria
eu sou fio de uma famia que não gosta de fuá
mas trasantonte no forró de Mané Vito
tive de fazê bunito a razão vô lhe explicá"


Mesmo para nós nordestinos, é difícil a missão de classificar as diferenças existentes nos folguedos, principalmente naqueles do período junino. Forró, xote, baião: seriam estes gêneros musicais? Ritmos diferentes? Danças? Variações de uma coisa só? Tudo isto seria mais facilmente respondido pelos nossos ouvidos do que pela nossa razão. Contudo, tentaremos neste encarte fazer um levantamento das conclusões estabelecidas até então, passando pelas divergências e por algumas curiosidades.

Foto: Flávia Lacerda

Para isto, o material utilizado foi uma escassa produção bibliográfica que resume-se a poucos livros, teses e monografias (apressem-se pesquisadores interessados, pois o campo é vasto e pouco analisado!). Forrobodó, forrobodança, fobó. Desde o século passado, Já era documentado pela imprensa nestes termos que designavam o local onde aconteciam os bailes populares, as festas do povão, e que anos mais tarde, por convenção, passaram a ser chamados de forró. Eis aqui a provável origem da palavra.

De acordo com as próprias letras das músicas, o termo indica o lugar onde acontece a diversão. É bastante comum, principalmente para as pessoas do interior dizerem que vão para o "forró" de fulano de tal, quando ocorre uma festa na casa do sujeito. As composições "Forró de Zé Antão" e "Forró de Mané Vito" de Zé Dantas, em parceria com Luiz Gonzaga, deixam evidente este significado. Muitas casas noturnas que dispõem de música e dança, utilizam também a palavra como nome do recinto (Forró Chic, Forró Classe A, etc.).
Já há algum tempo, o termo forró ganhou uma amplitude maior passando a ser algo mais genérico, no qual estaria contida uma variedade de ritmos e fusões musicais, tais como o xaxado, o rojão, a toada, o carimbó, o merengue, o baião, o xote, entre outros. Veremos agora algumas particularidades sobre os dois últimos ritmos citados.

Do interior para o Brasil

"Eu vou mostrar pra vocês
como se dança um baião
e quem quiser aprender
é favor prestar atenção"


Era chamado de baiano o dedilhado da viola, executado na introdução e nos intervalos do desafio do cantador nordestino. Segundo o historiador Leonardo Dantas, é na fusão deste pequeno trecho musical com a cantiga tonal de origem medieval encontrada nas toadas dos cegos nas feiras do Nordeste, que se encontra a raiz do baião. Para o pesquisador José Ramos Tinhorão, o baiano serviria de base para o maestro-compositor cearense Lauro Maia na criação de um novo ritmo denominado balanceio, que teria influenciado também o gênero musical nordestino de maior sucesso no país. "Estrofes de Rogaciano Leite... O balanceio de Lauro Maia... A viola do cego Aderaldo...", eis a síntese de Humberto Teixeira, uma das maiores autoridades no tema, quando fala sobre as fontes do baião.

A primeira vez que a palavra baião apareceu na discografia brasileira foi nos anos 20, quando Jararaca (José Luís Rodrigues Calazans) grava o "Samba Nortista", do pernambucano Luperce Miranda, conforme informa Tinhorão.
No começo deste século, o ritmo tinha popularidade apenas no interior do Nordeste. Porém, a partir da década de 40, torna-se nacionalmente conhecido graças ao trabalho do mestre Luiz Gonzaga. Compositor, sanfoneiro, cantor, este pernambucano nascido em Exu resolve deixar o sertão nesta época para tentar ganhar a vida como artista no sul do país. Juntamente com companheiros de estrada como o já citado Humberto Teixeira, e o médico Zé Dantas, ele interpretou o baião de tal forma que, entre os anos 46 e 54 (considerada a fase áurea), o ritmo tornou-se um dos mais importantes e divulgados em todo território brasileiro.


A SANFONA ALEGRA O BALANCEIO. Foto: Flávia Lacerda
Originalmente, o baião (e também as outras variações dos ritmos nordestinos) não tinha instrumentos fixos, e nem quantidade determinada de músicos para sua execução. A rabeca, a viola, a sanfona, a percussão variada, juntavam-se ou alternavam-se com liberdade na construção musical.
Porém, foi o próprio Luiz Gonzaga, por motivos que vão desde o barateamento das apresentações até mesmo a necessidade de caracterizar o ritmo tanto visualmente quanto musicalmente, que convencionou o formato do trio: a sanfona no centro, a zabumba do seu lado direito e o triângulo do seu lado esquerdo. Apesar deste modelo típico, já faz algum tempo que ele também é interpretado por instrumentos elétricos como a guitarra, o baixo, o teclado, etc., dando-lhes outra roupagem.


Principalmente para quem é nordestino, o som do baião tem presença constante durante todo ano. No entanto, é no período dos festejos juninos que ele ganha destaque, sendo o ritmo mais tocado e desejado por aqueles que frequentam os arraiais e os clubes onde acontecem os bailes.

Noitada de muita dança

"Minha morena venha pra cá
pra dançar chotis
si deite in meu cangote
e pode cochilar"


Quando nos bailes juninos escutamos aquela batida mais lenta, mais marcada, inconfundível, num instante sabemos: é a hora do xote! Este ritmo cadenciado é bastante querido por aqueles que apreciam uma noitada de muita dança. Quem nunca ouviu "Cintura fina", "Riacho do navio", "O xote das meninas"? Todas essas conhecidas composições fazem parte do seu repertório tradicional e que, inclusive, já receberam várias interpretações por parte de muitos artistas da música popular brasileira.

Para o folclorista Câmara Cascudo, o termo xote deriva da palavra schottische, que segundo ele: "é uma melodia alemã, cheia de cadência e de graça, como se fora feita para o caráter e gosto dos brasileiros". Trazido como moda da Europa, logo que chegou no Brasil o ritmo era restrito às festas das famílias nobres. Contudo, não demorou muito e ele tornou-se extremamente popular, passando a ser um dos estilos mais admirados pelo povo em geral. O Nordeste é a região onde é mais executado, mas também encontra-se este ritmo espalhado em todo o país.

Inúmeros artistas valeram-se, e ainda valem-se do xote como estilo musical incorporado aos seus trabalhos. Dentre eles destacam-se a cantora Marinês, o instrumentista e compositor Dominguinhos, o compositor Zé Dantas e o eterno Luiz Gonzaga, que mesmo sem atingir o destaque conseguido com o baião, fez do xote um estilo bem divulgado, sendo seu grande intérprete. Pra dançar o xote é só se deixar levar pelo ritmo, deslizando nos passos dois pra lá e dois pra cá, bem devagarinho, naquele agarradinho gostoso da cintura do(a) parceiro(a). No mais, é só fechar os olhos e aproveitar...!