QUADRILHA JUNINA

As danças campestres da Normandia e da Inglaterra, no século XVIII, foram o grande berço das quadrilhas juninas. No século XIX, dos salões nobres das cortes francesas, a dança espalhou-se por todo o continente europeu, chegando ao Brasil com os portugueses ainda com características aristocráticas.

No Brasil, os grupos da elite imperial mantêm vivo o costume da dança que se populariza no período Regencial, ao comando de grandes mestres do gênero, como Milliet e Cavalier, que tocavam as músicas de Musard, o "pai das quadrilhas", e Tolbecque.

Num dinâmico processo de apropriações e ressignificações inerente às expressões culturais, a quadrilha foi se configurando com características bastante especiais. Retorna ao campo, fazendo parte dos festejos populares, geralmente ligados às celebrações do período junino.

O processo migratório campo-cidade traz a quadrilha "matuta ou tradicional" para os centros urbanos e transporta a idéia de uma dança de origem caipira, com a figura do matuto com chapéu de palha, camisa xadrez, bigode, dente pintado de preto e calça remendada, e as mulheres com vestidos estampados, alguns remendados e cabelos arrumados em formato de tranças. Personagens exóticos, que reforçam os preconceitos e estereótipos sobre a vida rural, numa caracterização exagerada..

Essa forma caricatural de ver a quadrilha esbarra com a dinâmica do tempo histórico e com o contexto sociocultural do Nordeste, particularmente do Recife, que apresenta um novo modelo para o brinquedo, modificado esteticamente e no próprio conteúdo da manifestação.

Segundo o historiador Hugo Menezes, a partir dos anos 1980, o Recife vivencia um período marcado pelas continuidades e mudanças. "É a época em que saem às ruas as primeiras quadrilhas estilizadas. Quadrilhas diferentes que aos poucos abandonam a representação caricatural recorrendo a uma releitura das vestes comuns à época da corte, preocupando-se sempre com a junção de elementos representativos da cultura nordestina. A musicalidade incorpora novos ritmos, algumas vezes fugindo do gênero forró; as coreografias passam a ser ensaiadas e executadas de acordo com a música, não dependendo mais das ordens do marcador. Foi um momento laboratorial, de permissão para experimentar cores, músicas, formas e ações, exercitar a criatividade e expor a dinamicidade das culturas populares, com várias formas de ser e fazer".

Na década de 1990, continua Menezes, é a vez de o recriado vir à tona como uma nova proposta. Foi um período de mudanças significativas para a montagem das quadrilhas que passam gradativamente a buscar nas pesquisas sobre o imaginário nordestino e mais especificamente do ciclo junino, a base para a montagem do espetáculo. Todos os elementos apresentados passam a relacionar-se com um tema previamente escolhido e pesquisado.

A preparação de uma quadrilha se transforma num verdadeiro ritual, renovado anualmente com a criação de um novo tema e um novo São João.

Com o novo tema escolhido, as idéias se expressam em sons, cores, ritmos, figurinos, adereços e infinitos tecidos e variados materiais, relações heterogêneas que se sucedem e culminam numa ação maior.

São meses de trabalho constante. Extrema dedicação. O esforço conjunto é a principal característica dos momentos de encontro, seja para ensaiar as coreografias, comprar tecidos, cortar, bordar, pintar os adereços, captar recursos, etc. Um verdadeiro espaço de sociabilidade.

Segundo Hugo Menezes, os quadrilheiros estabelecem entre si uma rede de relações sociais próprias, viabilizada e reforçada pelos encontros sistemáticos, os ensaios. Sejam nas escolas públicas, nas quadras de agremiações carnavalescas, nas associações comunitárias ou na própria sede, os ensaios constituem pontos de encontro e de diferenciação dos grupos, fortalecendo o vínculo entre os participantes. É o lugar onde comungam símbolos, valores e experiências, conhecem e reconhecem pessoas, utilizam vocabulário, datas e eventos particulares, fazem amigos e até namoram. Ainda organizam-se internamente, estabelecem funções e hierarquias, distribuem direitos e deveres e interagem, na medida do possível, com a comunidade.

Cada grupo possui a sua própria identidade, que se traduz no formato do figurino, no estilo das coreografias, nas cores utilizadas, na atuação do marcador, entre outros aspectos que levados para os arraiais os referendam historicamente e os legitimam. É assim com a Origem Nordestina, Lumiar, Raio de Sol, Traque de Massa, Zabumba, Raízes do Pinho, Olodum Mirim, Brincant's Show, entre tantos outros grupos do Recife e Região Metropolitana.

Diante desse contexto, percebe-se que vivenciar uma quadrilha junina extrapola o simples dançar. Significa dividir os mesmos sentimentos, sejam eles de angústia, aflição, alegria, tristeza. É, no dizer de alguns quadrilheiros, "uma doença praticamente incurável. Um amor que um olhar menos sensível e pouco atento pode não encontrar ao reduzir a manifestação popular a cânones estéticos, limitando-se apenas a classificar em bom ou ruim, bonito ou feio".