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A CONQUISTA FLAMENGA

A Holanda brasileira

7 mil homens, em 67 navios, desembarcaram na praia de Pau Amarelo, em 16 de fevereiro de 1630. Assim começava a invasão holandesa a Pernambuco. O rico açúcar produzido na região aguçou a cobiça dos conquistadores, que se instalaram no Recife e dominaram a região por 24 anos.

A riqueza

O ouro tem a representação quase mundial da riqueza. Mas nem tudo que reluz é ouro. Nos tempos coloniais brasileiros, o açúcar foi a grande riqueza. Os engenhos e as plantações de cana-de-açúcar se multiplicaram, sobretudo nas terras pernambucanas. Portugal trazia para o Brasil experiências feitas em suas possessões africanas, como a Ilha da Madeira, onde, nos finais do século XVI, existiam cerca de 150 engenhos. O açúcar era um produto que se valorizava e ganhava espaço na dieta alimentar dos europeus. Tornava-se popular. Antes da colonização e da expansão da produção no Brasil, a Europa consumia açúcar trazido do Oriente ou fabricado no próprio continente, com destaque para a região da Sicília, na Itália.

A produção do açúcar era, na colônia portuguesa, voltada para o mercado externo, caracterizada pela grande propriedade monocultora e pelo uso da mão-de-obra escrava. Segundo documentos da época, variava de oitenta a cem o número de trabalhadores por engenhos. Havia também trabalhadores livres, em pequeno número. Para consolidar a produção da sua colônia, Portugal contou com a participação dos holandeses. O economista Celso Furtado afirma, em seu livro Formação econômica do Brasil, que "os holandeses eram nessa época o único povo que dispunha de suficiente organização comercial para criar um mercado de grandes dimensões para um produto praticamente novo, como era o açúcar".

Os holandeses entravam, além disso, com capitais, financiando equipamentos e atuando até mesmo no tráfico de escravos africanos, atividade bastante rentável naquela época. Nas últimas décadas do século XVII, estima-se que a população escrava no Brasil era maior que a de homens livres. Tínhamos, na colônia, uma sociedade escravocrata e patriarcal, fortemente hierarquizada, convivendo com o poder da Igreja Católica, preocupada em aumentar o número dos seus seguidores, depois do forte abalo sofrido com a Reforma Protestante. Era uma sociedade que retomava práticas ultrapassadas e opressoras para alimentar a economia. A religião católica, dominante, defendia princípios de amor e generosidade que, na prática, muito pouco se concretizavam.

A cobiça

O Recife, que já havia apresentado sinais de prosperidade no século XVI, iria expandir-se mais ainda no século XVII. O seu porto consolidava-se como espaço privilegiado, não só de escoamento do açúcar, mas também de entrada de escravos, mercadoria de grande valor e imprescindível ao sistema de produção colonial. O chamado sítio urbano do Recife se alargava. No entender do historiador Denis Mendonça Bernardes, um fato importante nesse processo foi a instalação dos padres franciscanos em terras a eles doadas na ilha do Porto dos Navios, atualmente bairro de Santo Antônio. Ia-se processando, segundo Bernardes, "a ocupação de áreas fora da Povoação do Recife, acompanhada da valorização mercantil das mesmas e dando ocasião a investimentos de caráter imobiliário".

O Recife tinha sua ligação com o mundo do mercantilismo, sob a hegemonia européia, mas era também uma sociedade com dinâmica interna própria. Não podemos desconsiderá-la. Os holandeses invadiram Pernambuco com o firme propósito de se apossar de suas riquezas. O que os guiou foram a cobiça e as intrigas políticas, o olho grande das nações européias procurando acumular riquezas e consolidar interesses. A burguesia holandesa era próspera, não era católica, mas calvinista, portanto mais liberta para exercitar as ambicões capitalistas, segundo registram as experiências históricas de acumulação de riquezas em diversos países da época posterior à Reforma Protestante. Sofria com entraves políticos, pois os chamados Países Baixos faziam parte das possessões espanholas.

A relação de comércio dos holandeses com os portugueses era intensa. Problemas na sucessão do trono português, desencadeados pela morte de D. Sebastião e seu sucessor, cardeal D. Henrique, levaram à formação da União Ibérica (1580-1640), com a Espanha passando a governar Portugal e suas colônias. As intrigas existentes impedem que os holandeses desenvolvam suas atividades lucrativas como antes, eles que desde a segunda metade do século XVI estavam envolvidos com o mercado de açúcar.

A Espanha impôs um bloqueio comercial que impediu a expansão das companhias holandesas. Restava o uso da força militar. Preparou-se uma expedição para invadir a Bahia, com 26 navios que aportaram em Salvador a 9 de maio de 1624, com sucesso inicial. No entanto, construiu-se uma resistência local que, com a ajuda de tropas espanholas, conseguiu derrotar os invasores holandeses a 1 de maio de 1625. Pernambuco, com mais de 120 engenhos, passaria a ser, então, o grande alvo. Organizou-se uma frota com 67 navios e cerca de 7 mil homens, que desembarcaram na praia de Pau Amarelo, em 16 de fevereiro de 1630, comandados por Hendrick Loncq e Diedrich van Waerdenburgh.

A Companhia das Índias Ocidentais foi a organizadora das expedições. Fundada em 1621, representava os interesses dos comerciantes holandeses, com direito exclusivo de negociar, durante 24 anos "com as costas e terras da África, situadas entre o Trópico de Câncer e o Cabo da Boa Esperança; com as terras e ilhas da América ou Índias Ocidentais, a partir da ponta meridional da Terra Nova pelo estreito de Magalhães até o estreito de Anjan e, também, com as regiões austrais que ficavam entre os meridianos do Cabo da Boa Esperança e a costa oriental da Nova Guiné", como descreve Netscher em sua obra Os Holandeses no Brasil. Era um espaço destinado a saques e conquistas. O Brasil estava, como já vimos, nos planos da Companhia. Daí, a persistência: derrotados na Bahia, invadem Pernambuco.

A conquista

Não foi difícil, inicialmente, a tarefa das tropas holandesas. A conquista de Olinda e do Recife se deu em poucos dias. Havia uma enorme diferença com relação aos recursos militares. Os habitantes fugiam e o governador da capitania de Pernambuco, Matias de Albuquerque, não teve meios para enfrentar os holandeses. Procurou estabelecer a tática de guerrilhas e conseguiu inibir, em parte, o avanço das tropas inimigas. Olinda foi ocupada com facilidade, mas só destruída em 1631. O Recife tornou-se o centro de referência para as manobras comerciais e militares dos holandeses, que tinham suas dificuldades. Não era fácil manter as tropas: exigia recursos dos mais variados, como água e madeira.

Ambos os lados procuraram reforços. A Cia. das Índias enviou mais 16 navios, com 850 soldados, munição e víveres. Já Portugal e Espanha enviaram tropas comandadas por D. Antonio Oquendo. Houve enfrentamento com perdas significativas para as duas forças militares. A embarcação do comandante holandês Adrian Pater foi incendiada, mas os holandeses conseguiram aprisionar um navio das tropas adversárias com mantimentos e munições. A luta continuava e os holandeses procuravam estabelecer alianças com os moradores da terra. Muitas tribos indígenas passaram a ajudar os holandeses, sem falar dos cristãos-novos, de senhores de engenho e escravos.

A ajuda era importante não apenas como reforço para guerra. As informações sobre o território eram valiosas, podiam evitar avanços dos inimigos e ampliar a área conquistada. Assim, as informações fornecidas por Domingos Fernandes Calabar, considerado por muitos como um traidor da "causa nacional", terminaram por impulsionar as conquistas holandesas. Calabar serviu como guia das tropas holandesas, inclusive para conquista de Igarassu. Segundo Netscher, os holandeses encontraram a maioria da população ouvindo missa, despreparada para defesa. Morreram "100 pessoas das que habitavam a vila e outras tantas ficaram prisioneiras".

A permanência

Apesar das despesas, os holandeses buscaram ampliar suas conquistas. As perdas financeiras da Cia. das Índias Ocidentais eram imensas com a manutenção de 806 navios e mais de 67 mil homens, entre marinheiros e soldados, atuando no vasto território de ação. Havia necessidade imediata de lucros, mas a guerra não cessava e a ocupação da zona rural exigia constantes combates. Encontravam resistências, entre elas das tropas sitiadas no Arraial do Bom Jesus, que só foram derrotadas em 1635. Mas seguiram adiante, apossando-se de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte. Não havia como abandonar essa aventura que tomava proporções inesperadas.

A resistência ao domínio holandês não era unânime. Diante de tantos prejuízos, era preciso buscar formas de conciliação, pois a colônia parecia abandonada à sua própria sorte, diante dos problemas que a Espanha encontrava na Europa, com a Guerra dos 30 anos (1618-1648), contra a França. Assim, muitos proprietários de engenhos aproximaram-se dos holandeses. Fazia-se necessária uma reorganização da produção, bastante abalada com os incêndios nos canaviais. A Cia. das Índias Ocidentais, por sua vez, agia para recuperar seu investimento.

Nomeou, em 1637, o conde Maurício de Nassau (1604-1679), então com 33 anos, de origem alemã, muito prestigiado na Holanda por seus feitos militares e por sua capacidade administrativa para cuidar dos interesses da Companhia, mantendo, com sua habilidade política, a estrutura de poder a seu favor. "Era como que uma figura do Renascimento, amigo e protetor de letrados e artistas e comprazendo-se na sua companhia", segundo afirma o historiador José Antônio Gonsalves de Mello, ao analisar o domínio holandês na Bahia e no Nordeste.

Qualidades, portanto, não faltavam a esse jovem militar que percebia um salário mensal de 1.500 florins. Tinha amplos privilégios: governador e capitão-mor de terra e mar, devendo superintender tudo o que se referisse ao bem público. Além disso, tinha pretensões e postura de mecenas. Trouxe com ele dois pintores, Frans Post e Albert Eckout e cientistas como Willem Piso e Jorge Marcgrav. Iniciava-se, sem dúvida, um novo período do domínio holandês. O Recife mostrava sinais de prosperidade, tinha ares de uma cidade moderna. Nela, junto ao mar, os holandeses sentiam-se em casa: muitos pareciam habitantes naturais.

Os tempos de Nassau ficaram na memória histórica como gloriosos e inesquecíveis. Existe um fascínio que continua. Quem não identifica tais tempos como de progresso? Quem não os vê como espelho maior das nossas virtudes? O culto da memória estimula a construção de um imaginário social e sua permanência. Nada melhor do que reconstruí-la para que possamos saber, talvez, se o real e a fantasia se confundem no final. A cidade tem suas histórias, trilhas sobre as quais desenhamos nossos caminhos, mas também desejos e esperanças. A história alimenta-se da memória e a memória das lembranças e dos esquecimentos. Por que são tão vivas ainda as imagens do conde e da sua Mauritsstad ou Maurícia?


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