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O Padre Henrique e o Dragão da Maldade

Autor: Patativa do Assaré

Sou um poeta do mato
vivo afastado dos meios
minha rude lira canta
casos bonitos e feios
eu canto meus sentimentos
e os sentimentos alheios.

Sou caboclo nordestino,
tenho mão calosa e grossa,
a minha vida tem sido
da choupana para a roça,
sou amigo da família
da mais humilde palhoça.

Canto da mata frondosa
a sua imensa beleza,
onde vemos os sinais
do pincel da Natureza,
e quando é preciso eu canto
a mágoa, a dor e a tristeza.

Canto a noite de São João
com toda sua alegria,
sua latada de folha
repleta de fantasia
e canto o pobre que chora
pelo pão de cada dia.

Canto o crepúsculo da tarde
e o clarão da linda aurora,
canto aquilo que me apavora
e canto os injustiçados
que vagam no mundo afora.

E, por falar de injustiça
traidora da boa sorte
eu conto ao leitor um fato
de uma bárbara morte
que se deu em Pernambuco
famoso Leão do Norte.

Primeiro peço a Jesus
uma santa inspiração
para escrever estes versos
sem me afastar da razão
contando uma triste cena
que faz cortar coração.

Falar contra as injustiças
foi sempre um dever sagrado
este exemplo precioso
Cristo deixou registrado.
Por se reto e justiceiro
foi no madeiro cravado.

Por defender os humildes
sofreu as mais cruéis dores
e ainda hoje nós vemos
muitos dos seus seguidores
morrerem barbaramente
pelas mãos dos malfeitores.

Vou contar neste folheto
com amor e piedade
cujo título encerra
a mais penosa verdade:
O Padre Antonio Henrique
E o Dragão da Maldade.

O padre Antonio Henrique
muito jovem e inteligente
a 27 de Maio
foi morto barbaramente,
no ano 69
da nossa era presente.

Padre Henrique tinha apenas
29 anos de idade,
dedicou sua vida aos jovens
pregando a santa verdade
admirava a quem visse
a sua fraternidade.

Tinha três anos de padre:
depois que ele se ordenou
pregava a mesma missão
que Jesus Cristo pregou
e foi por este motivo
que o dragão lhe assassinou.

Surgiu contra padre Henrique
uma fúria desmedida
ameaçando a Igreja
porque estava decidida
conscientizando os jovens
sobre os problemas da vida.

Naquele tempo o Recife,
grande e bonita cidade,
se achava contaminada
pelo dragão da maldade.
A rancorosa mentira
lutando contra a verdade.

Nesse clima de tristeza
os dias iam passando,
porém nosso padre Henrique
sempre a verdade explicando
e ameaças contra a Igreja
chegava de vez em quando.

Por causa do seu trabalho
que só o que é bom almeja
o espírito da maldade
que tudo estraga e fareja,
fez tristes acusações
contra D. Helder e a Igreja.

Com o fim de atemorizar
o apóstolo do bem
chegavam cartas anônimas
com insulto e com desdém,
porém quem confia em Deus
jamais temeu ninguém.

Anônimos telefonemas
com assuntos de terror
chegavam constantemente
cheios de ódio e rancor
contra Pe. Henrique, o amigo
da paz, da fé e do amor.

Os ditos telefonemas
faziam declaração
de matar 30 pessoas
sem ter dó nem compaixão
que tivessem com Dom Helder
amizade ou ligação.

Veja bem leitor amigo
quanto é triste esta verdade:
o que defende os humildes
mostrando a luz da verdade
vai depressa perseguido
pelo dragão da maldade.

Mas o ministro de Deus
possui o santo dever
de estar ao lado dos fracos,
suas causas defender,
não só salvar a alma
também precisa comer.

Os poderosos não devem
oprimir de mais a mais,
a Justiça é para todos,
vamos lutar pela paz.
Ante os direitos humanos
todos nós somos iguais.

A Igreja de Jesus
nos oferece orações
mas também precisa dar
aos humildes instruções,
para que possam fazer
suas reivindicações.

Veja meu caro leitor,
a maldade o quanto é:
o padre Henrique ensinava
cheio de esperança e fé,
aquelas mesmas verdades
de Jesus de Nazaré.

E foi por esse motivo
que surgiu a reação,
foi o instinto infernal
com a fúria do dragão,
que matou o nosso guia
de maior estimação.

A 27 de Maio,
o santo mês de Maria,
no ano 69
a natureza gemia
por ver o corpo de um padre
morto sobre a terra fria.

Naquele dia de luto
tudo se achava mudado,
parece que até o Recife
se mostrava envergonhado
por ver que um triste segredo
estava a ser revelado.

Rádio, TV e jornais,
nada ali noticiaram
porque as autoridades
estas verdades calaram
e o padre Antonio Henrique
morto no mato encontraram.

Estava o corpo do padre
de faca e bala furado,
também mostrava ter sido
pelo pescoço amarrado
provando que antes da morte
foi bastante judiado.

No mato estava seu corpo
em situação precária:
na região do lugar
Cidade Universitária,
foi morto barbaramente
pela fera sanguinária.

Por aquele mesmo tempo
muitos atos agravantes
surgiram lá no Recife
contra os jovens estudantes
que devem ser no futuro
da pátria representantes.

Invadiram o Diretório
Estudantil, um recinto
Universidade Católica
de Pernambuco e, não minto,
foi atingido por bala
o estudante Cândido Pinto.

Foi sequestrado e foi preso
o estudante Cajá
o encerramento no cárcere,
passou um ano por lá.
Meu Deus! a democracia
deste país onde está?

Cajá, o dito estudante,
pessoa boa e benquista,
pra viver com os pequenos
deixou de ser carrerista
e por isto, o mesmo foi
taxado de comunista.

Será que ser comunista
é dar ao fraco instrução,
defendendo os seus direitos
dentro da justa razão,
tirando a pobreza ingênua
das trevas da opressão?

Será que ser comunista
é mostrar certeiros planos
para que o povo não viva
envolvida nos enganos
e possam se defender
do jugo dos desumanos?

Será que ser comunista
é saber sentir as dores
da classe dos operários,
também dos agricultores
procurando amenizar
horrores e mais horrores?

Tudo isto, leitor, é truque
de gente sem coração
que, com o fim de trazer
os pobres na sujeição,
da palavra comunismo
inventa um bicho papão.

Porém a Igreja dos pobres,
fiel se comprometeu,
cada um tem o direito
de defender o que é seu,
para quem segue Jesus
nunca falta um Cirineu.

Mostrando a mesma verdade
de Jesus na Palestina
o movimento se estende
contra a opressão que domina
sobre os nossos irmãos pobres
de toda América Latina.

Quando Jesus Cristo andou
pregando sua missão,
falou sobre a igualdade,
fraternidade e união,
não pode haver injustiças
na sua religião.

Por este motivo a Igreja
nova posição tomou,
dentro da América Latina
a coisa agora mudou,
o bom cristão sempre faz
aquilo que Deus mandou.

É justo por excelência
o Autor da Criação,
devemos amar a Deus
por direito e gratidão.
Cada um tem o dever
de defender seu irmão.

Por isto, os nossos pastores,
trilham penosas estradas
observando de Cristo
suas palavras sagradas,
trabalhando em benefício
das classes desamparadas.

Declarando desta forma
a santa luz da verdade
para que haja ente todos
amor e fraternidade
e boa organização
dentro da sociedade.

Pois vemos o estudante
pelo poder perseguido,
operário, agricultor,
o nosso índio querido
e o negro? Pobre coitado!
É o mais desprotegido.

Vendo a medonha opressão
Que vem do instinto profano
me vem a mente o que disse
o grande bardo baiano
(Castro Alves)
O Poeta dos Escravos
apelando ao Soberano.

Senhor Deus dos desgraçados
dizei-me vós, Senhor Deus,
se é mentira, se é verdade
tanto horror perante os céus.

Meu caro leitor desculpe
esta falta que cometo.
Me desviando do assunto
Da história que lhe remeto,
O caso do padre Henrique,
Motivo deste folheto.

Se me desviei do ritmo,
não queira se aborrecer,
é porque as outras cousas
eu queria lhe dizer,
pois tudo que ficou dito,
você precisa saber.

Mas, agora lhe prometo
com bastante exatidão,
terminar para o amigo
esta triste narração
contando tudo direito
sem sair da oração.

Eu disse ao caro leitor
que foi no mato encontrado
nosso padre Antonio Henrique
de faca e bala furado,
agora conto direito
como ele foi sepultado.

Na Igreja Espinheiro
foi o povo aglomerado
e ao cemitério da Várzea
foi pelos fiéis levado
o corpo do padre Henrique
que morreu martirizado.

Enquanto o cortejo fúnebre
ia levantando o caixão
este estribilho se ouvia
pela voz da multidão:
"Prova de amor maior não há
que doar a vida pelo irmão"

Treze quilômetros a pé
levaram o corpo seu
lamentando lacrimosos
o caso que aconteceu,
a morte de um jovem padre
que pelos jovens morreu.

Ia naquele caixão
quem grande exemplo deixou
em defesa dos oprimidos
a sua vida entregou
e foi receber no Céu
o que na terra ganhou.

O corpo ia acompanhado
em forma de procissão,
com as vozes dos fiéis
ecoando na amplidão:
"Prova de amor maior não há
que doar a vida pelo irmão".

A vida do padre Henrique
vamos guardar na memória,
ele morreu pelo povo,
é bonita a sua história
e foi receber no céu
sua coroa e glória.

Pensando no triste caso
entristeço e me comovo,
o que muitos já disseram,
eu disse e digo de novo,
o padre Henrique é um mártir
que morreu pelo seu povo.

Prezado amigo leitor
esta dor é minha e sua
de ver morrer padre Henrique
de morte tirana e crua,
porém a Igreja dos pobres
sua luta continua.

Quem da Igreja do Espinheiro
Santa Casa de oração
ao cemitério da Várzea,
palmilhar aquele chão
a 27 de maio,
sentirá recordação.

Do corpo de um padre jovem
conduzido em um caixão,
e parece ouvir uns versos
com sonora entoação:
"Prova de amor maior não há
que doar a vida pelo irmão".