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Comunhão

Em Serrita no ano de 1971, no terceiro domingo de agosto, o Padre João Câncio dos Santos, com apoio de Luiz Gonzaga e o violeiro repentista Pedro Bandeira realizaram a primeira Missa do Vaqueiro – dezessete anos depois da morte de Raimundo Jacó – no mesmo lugar onde encontraram o seu corpo.

Altar

O município de Serrita está situado na microrregião de Salgueiro, no alto sertão pernambucano, a 486 km da capital Recife.

A Missa tornou-se uma das maiores manifestações culturais de todo o Sertão. Em 24 de outubro de 1974 foi inaugurado o Parque Nacional do Vaqueiro, em seu interior foi construído um altar de pedra em forma de ferradura, onde o padre celebra a missa, vestindo algumas peças da indumentária do vaqueiro.

Participam os vaqueiros de todos os estados nordestinos. Homens, mulheres, jovens e velhos, montados nos seus cavalos, com o orgulho estampado no rosto e vestindo o gibão, se juntam em frente ao altar da ferradura para assistir a missa que é dividida em duas partes: Liturgia da Palavra e a Liturgia da Eucaristia.

A Liturgia da Palavra começa com a primeira leitura, feita por um leigo, depois as leituras do Novo e Velho Testamento. Em seguida o padre faz a leitura do evangelho, a homilia e a oração do credo.

A Liturgia Eucarística divide-se em: ofertório, consagração e comunhão. No momento do ofertório os vaqueiros deixam no altar, objetos do cotidiano, como o gibão, cela, chicote, arreios e instrumentos usados no pastoreio. Durante o ofertório eles aboiam, cantando a importância de cada peça. A consagração é o momento auge da Missa, seguido da comunhão.

Ofertório

Quando a Missa termina é que começa outro ritual, a confraternização com queijo, rapadura, farinha de mandioca e carne seca. Alimento que segura o dia-a-dia do vaqueiro na caatinga.

Em torno da tradição religiosa, os festejos profanos com festas, pegas-de-bois e vaquejadas antecipam a missa.

Todo terceiro domingo do mês de agosto, os anjos cantam no vento quente, que afina entrecortando a mata do sertão, anunciando mais uma festividade sertaneja. E no romper do dia o vaqueiro se apronta e cavalga aboiando, pelas estradas do sertão em direção à célebre Missa do Vaqueiro.

Os cânticos da Missa foram criados por Janduhy Finizola, em 1976 e intitulados de Rezas do Sol para a Missa do Vaqueiro, gravado pelo Quinteto Violado, tornou-se um espetáculo que percorreu o Brasil e chegou até à Europa. Dr. Janduhy, um dos grandes parceiros do Rei do Baião é um potiguar de Jardim do Seridó, que há muitos anos mora em Caruaru, onde exerce a medicina e transpira seus poemas através da música. Os cânticos são divididos em: Cântico de Entrada; Kirie Eleisona; Glória; Credo; Ofertório; Sanctus, Sanctus; Pai Nosso; Comunhão e Canto da Despedida.


Cântico de Entrada
Jesus Sertanejo

Jesus, meu Jesus sertanejo
presença maior, minha crença
nesta terra sem ninguém
silêncio na terra, nos campos,
desencanto que a gente tem
e o vento sopra ressoa
ai sequidão que traz desolação
Ô Ô Jesus razão
tão sertanejo
que entende até de precisão
De sol vou sofrer e morrer
e as pedras resplandem a dureza,
a pobreza do chão.
João, um menino, um destino
Ai nordestino de arribação
Cenário de dor, de calvário
ai muda a face desta povoação.
Do céu há de vir solução
na terra, a semente agoniza,
preconiza a solidão
e a terra que arde acompanha
ai, tanta sanha de maldição
aqui vou ficar, vou rezar,
ai, vou amar a minha geração.

Kirie Eleison

Kirie Eleison
Kirie Eleison, Christe Eleison
Rogai por nós Senhor
Onde o Vaqueiro for
Guardai o seu amor
Da mágoa e o dissabor
Dos males e da dor
Senhor tem piedade
De quem tem por verdade
De ter na sua mesa
pobreza e a certeza
Que nada vai mudar.

Glória

Glória a Deus nas alturas,
Sou Vaqueiro, sou homem da terra
Sou gente de Deus
Entre pedra e espinho
Os caminhos do gado
O meu pão
Proteja Deus o Homem, a terra
E a criação. O gado magro e a seca
A nossa povoação
Sertão pelado, esturricado, encandeado
Onde o forte abóia a sorte
No seu canto de luta
Lá na caatinga vinga
A minha profissão
Derrubo o gado
E me derruba a precisão
Sertão pelado, esturricado, encandeado
Onde o forte abóia a sorte
No seu canto de lutar
Glória a Deus nas alturas
Glória a Deus nas alturas
Vaquejando por campos,
Sem campo pra ter ilusão
Deus lá do céu
Me dê saúde e proteção
Não deixe o mundo
Destruir minha razão
Lá nas alturas
Glória a Deus, mas que amargura
Ter gibão, chapéu de couro
E minha casa não ter chão.
Glória a Deus nas alturas
Sou vaqueiro, sou homem da terra
Sou gente de Deus.
Credo

Creio em Deus Pai
pai tão generoso
pai tão generoso
caridoso Pai,
crio na minha gente
na terra e na semente
no amor que a gente sente
no amor que a gente dá.
Creio, creio
na luz da madrugada
nas chuvas, trovoadas
no céu bonito a prometer
creio, creio
no passo da boiada
que em meio a caminhada
descansa em meu viver.
Creio na esperança
nas minhas lembranças
vaqueiro e criança
o tempo a passar
creio na paisagem
de pobre pastagem
que ensina coragem
e como espera.
Creio na partida
amanhecida
nos campos a vida
a terra a chamar
creio nas enchentes
nos rios valentes
que faz do presente
sertão se alegrar.

Ofertório

Eu te ofereço o meu gibão
chapéu de couro e oração
nossa união e decisão
nossa melhora e disposição
minha surda montaria
onde nela todo dia
eu me escancho e vou do rancho
me encontrar com a luz do dia.

Meu senhor meu verdadeiro
Deus do céu e do mundo inteiro
que me escuta e me espia
que me guia e me vigia
eu te ofereço até meu berço
este mundão de tabuleiro.
Eu te ofereço os meus tropeços
minhas raras alegrias
os meus arreios, os meus paleios
sobre a seca e a valentia
a rês do pasto que perdida
numa boquinha de noite
ninguém sabe como pode
se perder da minha vida.
Ofereço as injustiças
que são feitas ao vaqueiro
minha sina que me ensina
correr solto na caatinga
eu te ofereço até meu ganho
Do tamanho de um argueiro.

Todos presentes nesta hora
Estão lembrados de Raimundo
Por estas terras e estas serras
dedicou amor profundo
mas, o destino foi ferino
desalmado, fez finado
quem era vida era o maior
vaqueiro deste mundo
nosso pranto de saudade
nossa grande amizade
Raimundo Jacó morreu
que tristeza aconteceu
nosso perdão pra quem mandou
Raimundo pra eternidade.

Sanctus, Sanctus

Santo é Santo dos Santos
Deus verdadeiro
Vaqueiro é gente da gente
Bom companheiro
Senhor de bênçãos e glórias
Lá nas alturas
Que desça sobre o vaqueiro
E o sertão inteiro.

Pai Nosso

Oh! Pai Nosso que estais no céu do sertão
santificado quem vive sobre este chão
sertanejo faz oração
é sofrido é vivido de solidão
nas quebradas, nos tabuleiros
só que a vida está sem razão
passa um vento redemoinho
que roda e acorda a desilusão.
O Pão Nosso de cada dia nos guia
nos consola e transforma em coisa do dia
sertanejo planta a semente
que a terra não pode fazer brotar
foi o amor que fez o homem
plantar nesta terra o perdão
na poeira das caminheiras
a marca de uma vida de arribação.
Perdoai o vaqueiro Senhor (meu)
que ele sempre nas contas lhe perdoou
na caatinga o caminho, a solução
a lição, a ilusão, a conformação
corre o tempo e o vento pro fim do mundo
o cavalo abalou desembestou
acabou minha vida de vaquejar.

Comunhão

Eu tenho o sol, a terra, a serra
O tempo, o vento, até tormento
sofrimento e dor
eu tenho o mundo que encandeia
das areias sem nascentes, quentes
vivas de calor.

Eu quero João e devoção
sertão, Maria e família
destes meus irmãos
todos comungam pra Raimundo Jacó
irmão vaqueiro
morto sem explicação.

Aqui no fundo da caatinga tem,
missa e oração
vaqueiro, Deus e o sertão estão,
em tempo de comunhão
devoção, união e o perdão
é pra Raimundo Jacó
nossa comunhão.

Nem bem a barra vem quebrando
aboiando e pelejando
no trabalho estou
aqui no coice da boiada
esta vida estrupiada
dá-me força e destemor.
Eu quero Deus que me alimenta
e que me faz tá na pobreza
sem dizer um não;
quero também ser um vaqueiro
das caatingas o primeiro
a chegar pra comunhão.

Quero abraçar e comungar
participar e ser palavra e lavra
do sertão.
Dar um aboio de tristeza
que o mundo e a natureza
vejam a minha solidão.
O pão divino vem na missa
e no alforje do vaqueiro
o pão da terra está,
tem carne assada, tem farinha
tem queijo com rapadura
vida dura pra contar.

Canto da Despedida

Sertão rezou na Santa Missa
Rezas de Sol
pra terra ser bem servida
Sertão falou com Jesus Cristo
e a fala se fez mensagem
nas marcas da estiagem
e a imagem tão repetida
plantaram sem chuva o vazio
a terra, eu vou regar de oração.
A garrancheira, a poeira
a morte no chão,
o fim que chega na seca
fecunda a fé que domina
enquanto a missa termina
de longe em longe um chocalho
pede um cuidado um trabalho
num mundo cinza a tocar.
Toca por vaqueiro
toca o mundo inteiro
afinado num aboio sem vem suavizar
este meu parceiro
mundo companheiro
irmão de esperança e de pelejar.